ARTIGO: MINHAS COPAS - 1994
O
ano de 1994 foi intenso para o Brasil. Em Fevereiro, começava o Plano Real, com
a adoção da URV, então equivalente a Cr$2.750,00. Em junho, a nova moeda, que
temos até hoje, era implantada. Depois de décadas de tentativas em vão, o
dragão da inflação seria finalmente domado. Nascida no governo tampão de Itamar
Franco, o plano catalisou a candidatura de FHC à presidência, com a fatura
liquidada já no primeiro turno, em Outubro do mesmo ano.
Uma
grande vitória para o Brasil, que naquele ano experimentou perdas marcantes: do
jogador Denner, revelado na Lusa e estrela do Vasco, em acidente de carro na
Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro; do maestro Tom Jobim, talvez o
maior expoente da música brasileira; do comediante Mussum, até hoje lembrado
por suas tiradas; do genial Ayrton Senna, levado para sempre desse mundo na
curva Tamburello, no circuito de Imola, em 01/05.
Recordo-me
bem de meu pai me acordando na manhã daquele Domingo, dizendo-me que um acidente
terrível havia acontecido com Senna. O país ficou anestesiado até a confirmação
de sua morte, dali a poucas horas, e consternado depois disso. Foi
provavelmente o maior funeral da história do
Brasil, rivalizando com o do presidente eleito e nunca empossado Tancredo Neves
(1985), com mais de um milhão de pessoas nas ruas de São Paulo acompanhando o
cortejo.
Sob
esse clima de perda e expectativa que a desacreditada seleção brasileira
chegava aos EUA. Conquistara a vaga com dificuldade atípica, somente quando a
dupla Parreira-Zagallo cedeu à teimosia e chamou o baixinho Romário para a
derradeira partida contra o Uruguai, no Maracanã, vencida por 2×0, gols do
maior e mais polêmico atacante do mundo naquele tempo. O time que começou a
Copa tinha Taffarel, Jorginho, Aldair, Marcio Souza, Leonardo, Mauro Silva,
Dunga, Zinho e Raí, Bebeto e Romário. Forte na defesa, pouca criatividade no
meio campo, implacável no ataque.
A
zaga não era a original de fábrica. A dupla de Ricardo (Gomes e Rocha) se
contundiu, e os reservas assumiram o posto. Deram conta do recado. Branco
substituiu Leonardo a partir das quartas, pois o primeiro foi suspenso por uma
cotovelada desleal no jogo contra os EUA, do qual foi expulso. Mazinho
substitui Raí, em péssima fase, a partir do segunda partida. Na final, Cafu
entrou no lugar de Jorginho, suspenso por dois amarelos. Da equipe titular,
Zinho era o mais contestado. Muito eficiente no Palmeiras, tornara-se um meio
campista burocrático na seleção.
O
Brasil passou pela primeira fase sem maiores percalços, ganhando de 2×0 da
Rússia, 3×0 de Camarões e empatando em 1×1 com a Suécia, em jogo de compadres
já classificados. Nas oitavas, um enrosco: enfrentaríamos a seleção da casa, os
EUA, tecnicamente inferiores, mas com o apoio de 100 mil torcedores no dia de 4
de Julho, celebrado feriado da independência americana. Foi um sofrimento. O
Brasil, com 10 em campo a partir da expulsão de Leonardo, ainda no primeiro
tempo, só conseguiu marcar um gol, através de Bebeto, com passe de Romário,
quando jogo se encaminhava para o final. E foi só.
Nas
quartas, o melhor jogo da Copa. Abrimos 2×0 contra a forte seleção da Holanda,
com Bebeto e Romário, e tudo parecia se encaminhar para uma vitória tranquila,
quando dois vacilo da defesa, até então quase intransponível, ocasionou um
inesperado 2×2. A prorrogação parecia inevitável, quando Branco converteu uma
falta da intermediária, com a bola passando literalmente a um triz de esbarrar
em Romário no meio de sua trajetória, um singelo movimento de quadril impediu a
colisão. O lateral brasileiro, destratado por boa parte da imprensa e da
torcida, que o consideravam velho para a seleção, fazia o gol ‘cala a boca’, o
mais importante de sua vida e que aniquilou o fantasma da eliminação precoce.
Depois de 16 anos, o Brasil retornava às semifinais de uma Copa. Assisti ao
jogo com vários amigos de faculdade, em um churrasco na casa de um deles. Um
dia memorável.
A
partida contra a Suécia, velha freguesa, com quem empatamos na primeira fase,
foi ataque contra defesa. Foi um bombardeio brasileiro até que veio o único gol
da partida, com o baixinho Romário aparecendo entre os gigantes nórdicos para
marcar de cabeça. Inusitado, mas justo.
A
final seria contra a Itália, que havia derrotado a surpresa da Copa, a seleção
da Búlgaria, por 2×1. Antes disso, havia despachado a seleção da Espanha nas
Oitavas e sofrido, como de praxe, com três empates na primeira fase. Não seria
Itália se fosse fácil. A Bulgária conseguiu o feito de eliminar a Alemanha
antes das semifinais. Outro time surpreendente nessa Copa foi a seleção da
Romênia, que derrotou a Argentina nas oitavas por 3×2, quando a última já não
contava com Maradona, suspenso por doping. Os romenos pararam na Suécia.
Assistimos
a final eu, meu pai, minha irmã mais nova e meu irmão na casa de grandes amigos
da família, no Rio de Janeiro. Não me lembro a razão, mas minha mãe tinha algum
compromisso e voltara antes das breves férias cariocas. A outra irmã vivia nos
EUA. O jogo foi amarrado por 120 minutos, com poucas oportunidades de cada
lado, sob intenso calor de Pasadena, na Califórnia. Houve uma bola na trave em
despretensioso chute de longa distância de Mauro Silva, e esse foi o evento
mais próximo do gol nas duas horas de futebol. O Brasil estava fisicamente mais
inteiro e foi ligeiramente superior. Se fosse uma luta de boxe, teria vencido
por pontos. Mas decisoes de pênalti podem não respeitar o veredicto da justiça…
O
capitão Franco Baresi isolou a primeira batida para Itália, mas foi brindado
pela defesa de Pagliuca no chute de Márcio Santos, tudo igual. Ambos os times
converteram os dois seguintes, o Brasil com Romário e Branco. Na quarta
penalidade, Massaro bateu à altura, no lado direito. Taffarel acertou o canto e
fez a defesa mais importante de sua vida. Dunga colocou o Brasil em vantagem e
Roberto Baggio, maior craque italiano, selou o tetracampeonato brasileiro,
chutando por cima do gol.
Foi
a primeira decisão por pênaltis da história das Copas. Eu particularmente não
gosto desse tipo de desfecho e deixaria os times jogando a prorrogação por
tempo indeterminado, até alguém achar o gol. Ou faria uma espécie de ataque x
defesa, algum critério técnico melhor que a quase loteria. De qualquer maneira,
o critério não tira o mérito do Brasil, que de fato foi a melhor seleção da
Copa, com 5 vitórias e 2 empates, 10 gols marcados e 2 sofridos. São números de
um time muito consistente na defesa, mas parcimonioso na hora de balançar as
redes.
Por
causa disso, a seleção daquele ano não foi colocada no panteão dos nossos
grandes times e muitos consideram a derrotada seleção de 82 mais importante
para a história do nosso futebol. Isso fez com que parte da geração de 94 se sentisse
desprestigiada em relação ao seus feitos e criou personagens rabugentos, que
assumiriam papel importante em Copas seguintes: Dunga e Zagallo. A verdade é
que dentro da qualidade dos recursos disponíveis à época, Parreira conseguiu
montar uma equipe bastante competitiva, muito sólida defensivamente e
taticamente disciplinada. Dos limões presentes, fez-se uma ótima limonada. O
grito de campeão sufocado por 24 anos era finalmente liberado!
O
mundo assistia comovido à posse de Nelson Mandela como presidente da África do
Sul, após 27 anos de prisão. Ele iria perdoar seus antigos perseguidores e
iniciar a unificação do país. No cinema, A Lista de Schindler consagraria
Spielberg no Oscar e Forrest Gump e Rei Leão brilhavam nas telas. Ótima safra
da sétima arte.
A
música brasileira vivia uma mistura entre o axé, o pagode e o sertanejo.
Eram
tempos de esperança, onde o Brasil parecia se reerguer após experiências ruins.
A eleição de um engodo, seu impeachment e um plano que finalmente acabou com a
inflação. A morte de um ídolo no auge da carreira e a consagração de um time
disciplinado e eficiente.
No
meu caso, em vias de me formar, com uma vida inteira pela frente e ainda sem
ter experimentado nenhuma perda. Era ‘imortal’. Pensando bem, no aspecto
lúdico, essa foi a melhor Copa de todas.
Fonte/Fotos: o post Minhas Copas: 1994
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