ARTIGO: MINHAS COPAS - 1986
Em
julho de 1986 o Brasil vivia a ilusão do plano Cruzado, implantado em Fevereiro
do mesmo ano e que se valia do amplo congelamento de preços para debelar a
inflação, que de fato ocorreu por um período de 8 meses. No curto prazo, alçou
o presidente Sarney a níveis de popularidade altíssimos, superiores a 72% de
ótimo/bom, fazendo com que o governo elegesse todos os governadores e quase 80%
do Congresso nas eleições daquele ano, um dos maiores estelionatos eleitorais
do nosso tempo, já que o plano fez água uma semana depois do pleito.
Nas
ruas, as pessoas usavam camisetas com a frase ‘Tem que dar certo’ e broches com
o título ‘fiscal do Sarney’. O então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, era
uma figura popularíssima. Poucos foram os que não apoiaram o plano. Até o PT,
quem diria, foi simpático. Hoje, sabe-se que soluções heterodoxas desse tipo
jamais terminam bem, mas há 32 anos, recém egressos de um período ditatorial, e
com a economia em crise, o otimismo prevaleceu. O Cruzado foi a primeira de uma
série de tentativas para aniquilar a inflação na era democrática, objetivo
conquistado somente oito anos depois, com o Real.
No
futebol, a seleção brasileira novamente sob comando de Telê Santana trazia boa parte
do time de 82, envelhecido 4 anos, com muitos jogadores já em declínio ou se
recuperando de lesão, como era o caso de Zico. Faltava brilho: Carlos, Josimar,
Júlio César, Edinho e Branco, Alemão, Elzo, Júnior e Sócrates, Careca e Muller.
Algumas
curiosidades: Josimar não estava na convocação original. O titular, Leandro,
desligou-se do grupo em ato de desagravo ao seu colega Renato Gaúcho, cortado
por indisciplina às vesperas da Copa. O reserva, Edson, se contundiu. O então
desconhecido lateral do Botafogo entrou a partir do terceiro jogo e fez dois
golaços, um na Irlanda do Norte e outro na Polônia. Falcão foi testado, mas a
fase era ruim, seu destino foi o banco de reservas. Sócrates também não se
encontrava em grande forma, Elzo era um volante que saiu do anonimato do
Atlético-MG para titularidade na Copa e após seu término, retornou à condição
de jogador comum. Casagrande era o décimo segundo jogador, quase titular, e
Careca vivia ótimo momento. Zico estava no banco, com o país torcendo para a
sua recuperação. Meses antes, havia sido atingido no joelho por uma entrada
criminosa de um perna de pau do Bangu.
O
clima de efêmero otimismo na economia transbordava para o futebol, e o time
canarinho contava com a confiança da torcida, apesar de não
figurar
entre os memoráveis esquadrões brasileiros. Transmitia-se ao vivo até coletivo
preparatório, na toca da Raposa.
O
Brasil começou titubeante, ganhando por um magro 1×0 da Espanha, com a ajuda da
arbitragem que anulou um gol legítimo do adversário enquanto a partida estava
empatada. Nova vitória tímida contra a Argélia, ainda sem convencer, e um
razoável 3×0 contra Irlanda do Norte. Apesar de tudo, fomos a única seleção a
passar com três vitórias e sem tomar gol. Nas oitavas, um convincente 4×0 em
cima da Polônia. Parecia que o time havia engrenado.
As
quartas de final foram contra a França, um timaço, cuja base era a seleção de
82. O Brasil foi logo marcando e sofrermos o primeiro revés aos 41′ da primeira
etapa: 1×1. O segundo tempo era lá e cá, quando Zico, que havia acabado de
entrar, descolou um lançamento para Branco, derrubado na área. Pênalti. Careca
já havia convertido uma penalidade para o Brasil naquela Copa, mas quem
encaminhou-se para a tarefa foi o galinho, decisão da qual ele deve se arrepender
até hoje. Mal batido, o goleiro Batts defendeu e tivemos mais 45 minutos de
futebol (contando com a prorrogação), de uma partida cheia de alternativas.
Decisão
por pênaltis. Sócrates toma um metro de distância da bola…e erra. No quarto
pênalti francês, o craque Platini desperdiça. Voltávamos à disputa. Na última
da série de 5, o zagueirão Júlio César, um dos melhores da Copa, manda um
balaço no travessão. Na sequência, a França carimbou sua passagem para a
semifinal contra a Alemanha, de quem perderia por 2×0. Terminava precocemente
mais uma Copa para o Brasil. Um time que não empolgou e que aparentemente não
desfrutava de bom ambiente interno.
A
Argentina, liderada por um endiabrado Maradona, despachava a Inglaterra, com
uma atuação de gala de seu maior craque, com direito à gol de mão, ao qual a
imprensa portenha se referiu como ‘la mano de Dios’, até hoje não digerido
pelos ingleses.
Em
outra atuação espetacular de Maradona, nossos vizinhos derrotaram o
surpreendente time da Bélgica e chegavam à final contra uma Alemanha comum, mas
pragmática. Os hermanos abriram 2×0 em um jogo que parecia ser fácil, mas os
germânicos foram buscar o empate, liderados por Rummeniggie. No crepúsculo da
partida, Maradona, sempre ele, se livra da marcação e encontra Burrochaga, que
sem muita dificuldade liquida a fatura. Bicampeonato argentino sob a tutela do
gênio Maradona.
Além
dele, outras explosões marcaram o ano: a primeira foi a da nave espacial
Challenger, em Fevereiro, pouco depois de decolar. Um reator nuclear explodiu
em Chernobyl, na Ucrânia, e liberou 400 vezes mais radiação que a bomba atômica
de Hiroshima. Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram em decorrência
desse acidente, uma vez que transparência com os fatos era algo incomum na
antiga União Soviética, mas estima-se que o número de fatalidades ultrapassou a
marca dos 100 mil. Na Líbia, Muamar Kadafi teve sua casa explodida pelos EUA em
ataque aéreo, mas não estava no local no momento e escapou com vida.
No
dia da derrota do Brasil para França, Ayrton Senna obteve seu quarto triunfo na
F1, no GP de Detroit, e empunhou a bandeira nacional na volta da vitória, no
que seria um dos hábitos mais admirados pelos brasileiros ao longo dos anos
seguintes.
Naquela
época, o rock nacional viveu seu apogeu. O grupo RPM vendeu mais de 2 milhões
de cópias de seu LP Rádio Pirata, e outros como Legião Urbana, Titãs, Paralamas,
Barão Vermelho, Capital Inicial, Ira também lançaram álbuns memoráveis.
Na
minha terceira Copa com memória eu já estava no último ano do ensino
fundamental. Assisti ao jogo dos pênaltis com amigos e voltei para casa de
ônibus, meu meio de transporte usual em Curitiba, chateado, mas nem de longe
transtornado como em 82. Em um horizonte de oito anos e três Copas, passei de
criança com flashes de memória para alguém já com certa independência, ao menos
no quesito mobilidade. Na próxima, provavelmente estaria na faculdade e longe
da casa dos meus pais, se meus planos se concretizassem. Muita coisa muda em
quatro anos, apenas a tendência do Brazil ser eliminado precocemente de Copas
parecia ser uma rotina. Ainda não sabíamos disso, mas 1990 nos reservava a pior
de todas elas…
Fonte/Fotos: O post Minhas Copas: 1986 apareceu
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