ARTIGO DEDOMINGO: DEU PANE NA JUSTIÇA
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
Pegue
tudo que foi dito quinta feira na sessão do Supremo Tribunal Federal, coloque
no liquidificador made by Descartes, o resultado será um só em meio à algaravia
verbal: a alta corte da justiça brasileira constrangeu a liberdade de
julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª região, com sede em Porto Alegre,
atropelando-o.
Cometeu
essa violação jurisdicional, de certa forma (anticonvencional e maluca)
suprimindo a instância, quando atendeu um requerimento incidental da defesa do
ex-presidente Lula e o colocou sub-judice, à margem da estrita letra da lei
(melhor dizendo: sob seu manto protetor) até 4 de abril.
Nessa
data, violando a norma constitucional e mandando para as calendas gregas o seu
regimento, sob as mais domésticas justificativas, retomará o julgamento
interrompido de um habeas corpus que deveria ter sua análise e votação
concluídas na mesma sessão, não importando quantas horas iria durar (“mas
estamos cansados de não terminar julgamentos numa mesma sessão”, confessou,
candidamente, a ministra Rosa Weber).
Antes
disso, na próxima segunda-feira, o TRF-4 apreciará embargo de declaração dos
representantes de Lula contra a decisão do próprio colegiado, que manteve a
sentença condenatória do juiz Sérgio Moro, ampliando-lhe a duração da pena.
Tudo indica que o recurso será negado. Como ato consequente, os desembargadores
federais mandariam prender o ex-presidente.
Não
podem mais fazê-lo porque a liminar incidental do habeas corpus (impetrado
contra decisão monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça,
substituída – sem a mesma e correspondente substituição recursal – pela
confirmação do colegiado do STJ) deixou Lula protegido dessa decisão.
Mas
e se o TRF-4 decidir, assim mesmo, mandar executar a sentença de Moro, de
prisão de Lula por 12 anos e um mês, em regime inicialmente fechado, essa ordem
poderá ser cumprida? Se decidir ignorar o ato do STF, instância final da
justiça no Brasil, mas intruso na sequência processual, e determinar a um
oficial de justiça, acompanhado por força policial, cumprir a sentença, que
está revestida de plenitude legal, o que acontecerá?
O
Brasil entrou em parafuso. A biruta do ar ficou biruta, mesmo não havendo mais
ar para impulsioná-la. A justiça brasileira entrou em colapso, pelo seu topo,
através de uma excelsa corte que olha mais para a câmera de televisão do que
para os tratados jurídicos.
(*) Lúcio Flávio Pinto
é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das
principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em
O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal
Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
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