PESCA ESPORTIVA INDÍGENA APRESENTA RECORDE MUNDIAL DE TUCUNARÉ AÇU
Praticantes
de pesca esportiva, Alcimar Lourenço e Marcel Griot, mostram o maior tucunaré
já pescado na Amazônia
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Conhecido
como “rio de gigantes”, o Marié é o cenário de uma nova modalidade de pesca
esportiva sustentável (pesque-e-solte), feita em parceria com 15 comunidades
indígenas e obedecendo a uma série de regras ambientais e de respeito aos povos
tradicionais. Como prêmio para essa iniciativa pioneira e bem sucedida, o
pescador venezuelano Marcel Christian Griot capturou, nesta última temporada de
pesca no rio Marié, o maior tucunaré que se tem registro oficial, com 14kg,
submetido a análise para se tornar o novo recorde mundial.
O
Marié é o principal reduto de tucunarés gigantes na Amazônia. O rio está
inteiramente localizado dentro de um extenso território indígena, uma área com
cerca de 2 milhões de hectares. Com mais de 800 quilômetros de rio, 180 igarapés
e 60 lagos mapeados, esse importante afluente do rio Negro é uma área altamente
preservada e, por isso, com condições para os peixes gigantes crescerem. No
momento, o recorde ocorrido no dia 22 de novembro de 2017 está sendo analisado
pelo International Game Fish Association (IGFA), nos Estados Unidos.
Projeto sustentável
Quem
pratica pesca esportiva no Marié faz parte de um projeto único na Amazônia
brasileira: as comunidades indígenas são protagonistas de uma operação de
turismo de pesca esportiva sustentável que gera renda e melhoria na
infraestrutura das comunidades, cria novas oportunidades para os jovens e
realiza um programa inovador de monitoramento e vigilância do território.
Iniciativa
da Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (ACIBRN), em
parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn),
Instituto Socioambiental (ISA), Funai e Ibama, o Projeto Marié foi idealizado
de forma a responder a demanda das comunidades por uma atividade econômica que
não reproduzisse a velha lógica de exploração desordenada dos recursos naturais
e das próprias populações indígenas.
“É
um projeto altamente inovador que respeita a cultura local e tem o seu próprio
plano de manejo da área, incluindo proteção territorial e vigilância indígena.
A pesca esportiva vem dando também a possibilidade das comunidades receberem
recursos e investirem de forma coletiva nas melhorias de infraestrutura
locais”, afirma Marivelton Barroso, da etnia Baré, presidente da Foirn,
federação que representa os 23 povos indígenas do Médio e Alto rio Negro.
Regras de ordenamento
O
projeto Marié possui regras para o manuseio dos peixes através de uma operação
de pesca que realiza um rodízio cuidadoso dos lagos e remansos para garantir o
descanso e recuperação dos animais capturados e soltos. Todos os peixes são
medidos e compõe um programa de monitoramento com dados desta atividade
turística/esportiva e dos estudos ambientais do Ibama. Trata-se do mais
completo banco de dados comparativo de pesca esportiva de tucunaré em uma área
preservada e totalmente monitorada. As taxas de sobrevivência dos peixes estão
acima de 99,5%.
“Foram
muitos aprendizados, estudos e discussões desde o início para construir um
modelo de operação justo, com segurança ambiental e controle por parte das
comunidades. Realizamos capacitações e ajustes para que os indígenas se
apropriassem do turismo de pesca como um negócio comunitário, diferentemente
das antigas relações de exploração. As comunidades estão melhorando sua
infraestrutura, os jovens estão envolvidos, as mulheres ganhando espaço e os
estoques pesqueiros se recuperando. Essa é a diferença do Marié e entendemos
que não há outra maneira de um projeto em terra indígena dar certo. O recorde
só confirma que a ACIBRN está no caminho certo”, comemora a antropóloga Camila
Barra, do Instituto Socioambiental, que assessora as comunidades indígenas
envolvidas na atividade.
Modelo
único
A
pesca esportiva no Marié é desenvolvida em um modelo pioneiro de parceria entre
instituições públicas, sociedade civil organizada e empresa privada. A
operadora de turismo de pesca esportiva, Untamed Angling do Brasil, passou a
trabalhar na região após vencer o edital lançado com várias regras a serem
seguidas pela empresa ganhadora.
Outra
novidade do projeto é a participação de mulheres em um segmento dominado pelos
homens. Viviane Horácio, da etnia Baré, da comunidade de Itapereira, é a
primeira mulher capacitada como guia de pesca esportiva na Amazônia. Vivi, como
é conhecida na região, era jovem gestora do projeto e acompanhava a prestação
de contas na Associação. Pelo seu interesse e dedicação, passou a receber
capacitações e aulas de Inglês para se tornar guia.
“Somos
pioneiros no conceito de compartilhamento de experiências indígenas ancestrais
e técnicos profissionais na pesca esportiva que levam os turistas pescadores a
terem uma experiência diferenciada e única para pesca esportiva”, comenta
Rodrigo Salles, sócio-proprietário da Untamed Angling do Brasil.
Enfrentamento
A
possibilidade de inserir uma atividade sustentável sob governança indígena
enfrenta graves ameaças, como o garimpo, a caça e a extração de madeira
ilegais. Além disso, o próprio setor de pesca esportiva no Brasil opera,
majoritariamente, de forma descontrolada, sem monitoramento ou fiscalização,
orientado por um modelo altamente competitivo – portanto, de alto impacto.
Esse
cenário de ultraexploração tem levado os rios amazônicos a uma enorme pressão,
com riscos de escassez de peixes e consequente ameaça à soberania alimentar dos
povos indígenas e ribeirinhos.
A
regulamentação do turismo em Terras Indígenas determina os aspectos que devem
ser observados para que a atividade não infrinja os direitos das populações que
vivem nesses territórios: seja turismo de pesca ou ecoturismo, a atividade não
pode colocar em risco a reprodução física e cultural desses povos, não pode
colocar em risco os peixes que garantem a soberania alimentar ou mesmo impor um
calendário ou forma de gestão que interfira nas formas próprias dessas
comunidades se organizarem e, principalmente, decidirem sobre suas vidas. Isto está
expresso na Constituição Federal Brasileira.
Portanto,
o turismo comunitário indígena abre a possibilidade de um novo modelo de
operação que começa, antes de qualquer coisa, nas salvaguardas dos territórios
e nas decisões das comunidades afetadas.
A
busca por regiões pouco exploradas – e em Áreas Protegidas (APs), sejam elas
Unidades de Conservação (UCs) ou Terras Indígenas (TIs) – tem aumentado, como
foi no caso do rio Marié. Antes deste projeto de pesca esportiva indígena, a
região sofria com atividade de pesca predatória. Quando pensaram em organizar a
atividade, o primeiro passo das comunidades foi a discussão do plano de manejo
da pesca e a discussão, com apoio técnico do ISA, FUNAI e IBAMA, para definir
as restrições necessárias para a segurança da iniciativa. Foi então que
desenvolveram um plano de proteção e monitoramento do território, para ser
implementado com os recursos do turismo.
“Ainda
estamos lutando contra os garimpeiros ilegais que tentam entrar na nossa área e
falam mal do nosso projeto. Mas é a nossa vigilância do turismo comunitário que
protege o território atualmente. Estamos trabalhando pela proteção do Marié, os
benefícios para as comunidades estão chegando e o rio está cheio de peixes”,
afirma Roberto Lopes, presidente da ACIBRN.
Vale
lembrar que as terras indígenas são as áreas mais protegidas da Amazônia, com
um percentual dos desmates que corresponde a apenas 2% do total do bioma. O
potencial de desenvolvimento de um turismo de escala reduzida e baixo impacto
reside no controle que as comunidades devem ter da operação.
A
experiência no rio Marié tem inspirado outras comunidades a se organizarem e
tem aberto o diálogo também com os poderes públicos municipais, com o
entendimento de que o ordenamento é benéfico para todos. A exemplo disto, em
Santa Isabel do Rio Negro as comunidades das Terras Indígenas Téa, Jurbaxi-Tea
e Uneuixi estão realizando estudos e experiências para organizar a pesca
esportiva em todo o município.
Fonte/Foto: ISA Instituto
Socioambiental/Everton Pires
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