ARTIGO DEDOMINGO: SÍNDROME DE LULA



- por Lúcio Flávio Pinto (*)

O último sobrenome de Michel Temer é Lulia. O detalhe induz uma ironia: tirando o “i”, ele é tão Lula quanto o ex-presidente da república. Impossível, reagirão os petistas. Plenamente factível, porém, ao menos num aspecto: os dois são santos ou demônios, profundamente sinceros ou absolutamente cínicos, honrados ou amorais.
Se a comparação ainda precisa de mais fatos para se tornar inquestionável, uma revisão do que disseram e fizeram leva a um desfecho: suas biografias ainda estão por ser escritas, mas pode-se montá-las a partir de uma checagem objetiva, fria e rigorosa do passado, mesmo o imediato.
Um dos seus pressupostos são os amigos que têm, sua curriola, sua patota. Diz-me com quem andas e te direi quem és, aconselha a sabedoria popular. Os mais próximos amigos de Lula e Temer estão presos, acusados de crimes ou indiciados em inquéritos. Todos apontados pela prática de crimes de colarinho branco, corrupção, malversação de recursos públicos, concussão, lavagem de dinheiro e delitos assemelhados.
Lula se especializou em descartar de bate-pronto companhias que se tornaram indesejáveis. Sua trajetória é demarcada por cruzes da infâmia. Mas o grande líder, o guia do Brasil, permanece impoluto, inocentado pelo bordão do “não sei, não vi, não conheço”. O marido nem mesmo sabia dos atos da própria esposa, a quem transferiu – pós-morte – parte das responsabilidades pelos processos a que agora responde.
Colhido por um turbilhão de acusações, Michel Temer disse à Folha de S. Paulo que essa algaravia de sujeira nada mais é do que “uma tentativa brutal de tentar desmoralizar o presidente”. Na defesa da sua honra, pretende dedicar este ano à sua “recuperação moral”. Já se antecipando, observa: “podem registrar que os meus detratores estão na cadeia. Quem não está na cadeia está desmoralizado. Mas a todo momento qualquer coisa é o presidente da república”.
Dedicando parte do tempo do mandato que lhe resta, vai se empenhar nessa limpeza moral. “Não vou sair da presidência com essa pecha de um sujeito que incorreu em falcatruas. Não vou deixar isso”.
Se tivesse reagido às sucessivas acusações com a apresentação de fatos comprovadores dos seus argumentos e não com genéricas declarações de honestidade, com entonações indignadas inversamente proporcionais à
diminuta exibição de provas, o presidente da república não estaria tão desacreditado.
As denúncias feitas contra ele pela Procuradoria Geral da República e o conteúdo dos inquéritos promovidos pelo MPF e a Polícia Federal foram oportunidades que ele deixou escapar. Ainda não tocado pelos sentimentos nobres de hoje, tudo fez para brecar estes encontros com a verdade. Sua estratégia não foi a de enfrentar as denúncias, mas de fugir delas, usando o poder que o cargo lhe confere.
Por isso, talvez tenha perdido o momento adequado para essa limpeza moral, como a perdeu o seu quase xará, Luiz Inácio Lula da Silva.


(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
Tem 21 livros individuais publicados, todos sobre a Amazônia, os últimos dos quais Amazônia Decifradada e A Questão Amazônica.

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