183 ANOS DA CABANAGEM
Acontecimento
decisivo, histórico, marcante e fundamental para a vida e para a história do
Estado do Pará, episódio sangrento no qual escravos, índios e mestiços se
uniram à classe média para lutar por seus ideais foi a Cabanagem, que durou
cinco anos, verdadeiro genocídio mas período político por demais significativo
que teve sucessivos governos e nunca foi devidamente estudado e registrado. O
dia de hoje é marcado na história do Pará por este movimento de resistência
indígena, negra e mestiça à opressão portuguesa, durante o período colonial, de
repercussão nacional e internacional. Ainda assim, a data é pouco
(re)conhecida, apesar de sua alta importância.
Em
7 de janeiro de 1619 os índios Tupinambá, primeiros habitantes da região,
revoltados pela escravidão a que eram submetidos, atacaram o Forte do Presépio.
Para sufocar o levante, Francisco Caldeira Castelo Branco, o fundador de Belém,
determinou a prisão e morte do cacique Guaimiaba. Em 7 de janeiro de 1835, mais
de 200 anos depois, a tomada de Belém, também pelo Forte e o antigo Palácio do
Governo, onde hoje funciona o Museu Histórico do Estado do Pará, marca a
Cabanagem.
Na
noite do Dia de Reis de 1835, a população saiu às ruas a fim de assistir a uma
peça no Teatro Providência. O presidente da Província, Lobo de Souza, estava na
plateia. Enquanto isso, na surdina, os cabanos começaram a ocupar pontos
estratégicos da cidade, com armas nas mãos. A madrugada foi intensa: o palácio
do governo nem chegou a oferecer resistência significativa, no quartel houve
adesão da tropa e o prédio da Maçonaria logo foi depredado. Alcançado em um
terreno baldio quando tentava ir da casa da amante ao palácio, o presidente
Lobo de Souza, o Malhado, foi abatido na escadaria do Palácio do Governo, cujo
prédio hoje abriga o Museu do Estado do Pará (MEP), localizado em frente à
Praça Dom Pedro II, onde os cabanos acampavam e se reuniam em assembleia com as
roupas vermelhadas tingidas com casca de murici.
Félix
Clemente Malcher, senhor de engenho e fazendeiro, se elegeu primeiro governador
cabano, tendo Francisco Vinagre como comandante das armas. O líder Eduardo
Angelim recusou os cargos que lhe foram oferecidos. Mas não tardou para que o
moderado Malcher e o extremado Vinagre se desentendessem. Angelim, preso em um
navio de guerra durante os embates, foi libertado depois da deposição e morte
de Malcher, pelos próprios cabanos, que entregaram o poder ao marechal Manuel
Jorge Rodrigues, enviado pela Regência, em 26 de julho. Mas o marechal mandou
prender Francisco Vinagre e mais 300 cabanos. Angelim fugiu, então, para o
interior, e nova fase cobriu Belém de sangue a partir de 14 de agosto de 1835.
Aos
21 anos, Angelim foi o terceiro governador cabano, depois de Francisco Vinagre.
A radicalização do movimento, com Belém sitiada, culminou com o saque e o
assassinato da tripulação de um navio inglês, que transportava grande
quantidade de material bélico para um comerciante britânico estabelecido em
Belém, daí que não demorou para três navios de guerra da marinha inglesa, com
bandeira branca hasteada no mastro, aportarem, exigindo o hasteamento da
bandeira britânica no lugar da brasileira, a entrega dos criminosos à justiça
da Inglaterra e a indenização devida à companhia de navegação. Angelim atribuiu
a responsabilidade pelo pagamento e aplicação da justiça ao governo brasileiro,
o que foi aceito pelo capitão Strong. Durante oito meses e dezenove dias os cabanos
dominaram Belém, que foi retomada pelas tropas legais em 12 de maio de 1836.
Mas
a Cabanagem havia se espraiado pelo interior, ao longo do caudaloso rio
Amazonas. Em cinco anos de sangrentos combates, cerca de 40 mil pessoas
tombaram. Uma carnificina que ceifou dez por cento da população do Grão Pará e
Rio Negro. A Cabanagem, aos 183 anos, merece ser estudada com ênfase nas
escolas parauaras e sua memória preservada. Belém tem o Memorial criado por
Oscar Niemeyer, no Entroncamento. Está tão esquecido e abandonado quanto a
história.
Cametá
apoiou o movimento e seus ideais, e se considerou vitoriosa quando foi tomado o
poder, em janeiro de 1835, porém, quando os cabanos chegaram ao governo, muita
coisa mudou. A partir desse momento a sociedade cametaense se colocou contra os
revoltosos. Ângelo Custódio de Correia, filho ilustre de Cametá, foi
assassinado por membros da Cabanagem em frente à própria casa, após o casamento
da filha. Esse ato marcou a mudança de pensamento do movimento, e por isso
Cametá passou a lutar contra os cabanos. Liderados pelo padre Prudêncio, que
tinha domínio de estratégias militares, a cidade foi protegida e os revoltosos
perseguidos até a morte.
Cametá
foi capital legal da Província durante cerca de doze meses, de 15 de maio de
1835 a 13 de maio de 1836. Hoje, a resistência à Cabanagem é lembrada em um
grande painel instalado na Praça da Cultura, no centro da cidade. Perto dali,
fica o Museu Histórico de Cametá Raimundo Penafort de Sena, que preserva
diversos artefatos da época, como moedas, armas, louças e objetos pessoais de
alguns personagens desse período. O museu tem mais de duas mil peças que
registram momentos importantes da cidade, fundada em 1635 e declarada
Patrimônio Histórico Nacional.
É
na igreja do vilarejo São Francisco Xavier, em Barcarena, que estão guardados
os restos mortais do Cônego Batista Campos, paladino das aspirações populares
contra os governos opressores que culminou com a revolta da Cabanagem. Batista
Campos se escondeu em um sítio próximo ao vilarejo, no furo do Arrozal, quando
fugia das tropas do governo, vindo a morrer naquele local, no último dia do ano
de 1834, devido a uma inflamação decorrente de um corte em uma espinha carnal
no queixo.
Barcarena
é a única cidade com núcleo urbano que relembra os cidadãos que fizeram parte
desse importante momento histórico do Pará. Todas as ruas da Vila dos Cabanos
são nominadas com personagens reais que integraram esse movimento, como Antônio
Vinagre, Germano Aranha e Domingos Onça.
O
MEP, o Forte do Presépio, a Igreja da Sé, a Praça do Carmo - que foi cenário de
um combate sanguinário - e vários outros dos prédios públicos que integram o
Complexo Feliz Lusitânia, que compreende o entorno da Praça Frei Caetano
Brandão, ao largo da qual estão localizados museus que ocupam os prédios
históricos, inclusive o conjunto dos Mercedários e a Estação das Docas, que
mantém resquícios do motim São Pedro Nolasco, um dos primeiros a cair com o
ataque cabano, são testemunhos da história.
Outra
curiosidade histórica é que a praia do Chapéu Virado foi palco de sangrenta
batalha durante a Cabanagem.
Fonte/Foto: Franssinete Florenzano/Thiago
Gomes

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