A GUARDIÃ DA FLORESTA
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
A Reserva Nacional de Cobre e Associados foi criada
em 1984 pelo Conselho de Segurança Nacional, um ano antes do fim do regime
militar, iniciado em 1964. Havia indícios de que nesses 4,6 milhões de
hectares, entre o Amapá e o Pará, houvesse minérios. Talvez os mesmos da Serra
do Navio, bem ao lado, onde, quase três décadas antes, fora iniciada a primeira
lavra empresarial da Amazônia, com uma multinacional no comando. Além do
manganês, ferro, ouro e outras substâncias. Menos o cobre.
O “detalhe” não tinha importância. Mesmo a
legislação permite que se requeira direitos sobre um minério e se encontre
outro. O objetivo do órgão máximo da “comunidade de informações” do regime era
impedir que multinacionais avançassem sobre essa área, onde já estava fincado
um enorme empreendimento do milionário americano Daniel Ludwig, um dos mais
famosos integrantes do capitalismo mundial de então.
Algumas pesquisas geológicas foram feitas desde
então, nenhuma delas conseguindo alcançar o cobre. Requerimentos foram
protocolados no DNPM. Mas nenhuma atividade empresarial de estabeleceu a partir
do subsolo da reserva, que a vedava. Graças a essa porteira fechada, surgiram
no período nove unidades de conservação da natureza e duas terras indígenas,
que tiveram de conviver com a única presença externa: a de centenas de
garimpeiros circulando entre quase três dezenas de garimpos. Sem problema
algum. Afinal, o alvo eram as multinacionais.
A decisão do governo federal de extinguir a reserva
tem um objetivo claro: estimular a
presença das mineradoras numa área com potencial para a atividade econômica. E
só isso. Nenhuma reserva foi atingida tanto na sua integridade territorial
quanto na sua dinâmica própria. Ainda assim, é possível que sofram com essa
nova pressão humana? É claro que sim. A reação a esse mero abre-alas foi
positiva.
Seu efeito foi um novo decreto, esclarecendo as
intenções e reforçando o compromisso legal com a integridade dessas unidades
ambientais e étnicas. Pela primeira vez foi criado um Comitê de Acompanhamento
da Extinta Renca Interministerial. O comitê precisa contar com controle externo
da sociedade civil, do Ministério Público e das universidades para ter
credibilidade. Mas foi um corretivo adequado.
Ainda assim, muitos grupos o consideraram
insatisfatório. Ontem, a justiça federal de primeira instância acolheu uma ação
popular e restabeleceu a vigência da Renca. Seu efeito concreto é continuar a
bloquear a mineração através de empresas, não mais pela diretriz da segurança
nacional, eixo da ditadura militar, mas por uma ameaça à natureza e aos
habitantes primitivos. Tudo bem. Quanto à garimpagem real e ativa e,
eventualmente, a pecuária, a extração de madeira, os assentamentos rurais, o
plantio de soja e outras atividades, nenhuma iniciativa e nenhum interdito.
E assim a Amazônia se torna menos Amazônia a cada
novo dia. Mas a Renca continuará aí mesmo como a guardiã da floresta intacta.
(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional
desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da
imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em
1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter
quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois
Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da
verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio
Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for
Jornalists Protection), de Nova York.

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