A DESIGUALDADE FATAL



- por Lúcio Flávio Pinto (*)

Elisângela Bessa Cordeiro, de 41 anos, voltava para casa de carro, com o marido, depois de passar a noite inteira vendendo batata frita numa barraquinha armada em Nilópolis, na baixada fluminense. No caminho, próximo ao viaduto da avenida Brasil, uma das mais movimentadas do Rio de Janeiro, caminho de acesso e saída da cidade, quatro homens armados abordaram o casal.
Elisângela teria tentado reagir e foi morta com um tiro de fuzil na garganta. Tornou-se o 97º policial militar a ser assassinado neste ano na outrora cidade maravilhosa, que por mais tempo foi a capital federal do Brasil. Sem receber o 13º salário, ganhando mal e sem estrutura para trabalhar, ela completava seu salário de sargenta da PM com a venda na rua.
A polícia prendeu dois dos quatro bandidos. Ambos são menores. A pena por uso de fuzil no crime de homicídio é agravada em 3 anos. A sentença pela morte, de 15 anos. Por serem menores, os dois integrantes do bando já “apreendidos” cometeram “ato infracional análogo a um crime”. Serão submetidos a internação por oito meses. Depois, serão soltos. Se maior houver no atentado, poderá receber os 15 anos, mas só cumprir cinco ou seis. E voltar à plena delinquência.
Revoltado com essa “porcaria de legislação”, o secretário de segurança pública do Rio, Roberto Sá, no cargo há menos de um ano, gasto em boa parte a circular por cemitérios, disse que a polícia prende quatro mil pessoas por mês, 24 armas por dia (2 por hora). Foram 300 fuzis até agora, 370 no ano passado todo. São armas para uso – digamos assim – profissional. Para matar, se necessário. Necessidade estabelecida arbitrariamente e sem clemência por quem possui a arma.
A sociedade vai permitir que ele continue com o poder da iniciativa e da punição branda, mesmo quando tira a vida de uma pessoa?


(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém. No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.

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