ARTIGO DEDOMINGO: A PONTA DO ICEBERG
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
O
empresário Joesley Batista pode reivindicar o título de o maior corruptor
individual da história da humanidade. Destaque merecido por essa fama lhe foi
dado em relação ao mundo político. Ele mesmo declarou, sob compromisso com a
verdade, que lhe valeu a melhor delação premiada da história de quatro anos (a
completar no próximo mês) deste instituto jurídico no Brasil: comprou 1.800
políticos.
É
um autêntico exército qualificado, equivalente a três vezes todo o contingente
da Câmara dos Deputados, que tem 513 cadeiras. Incrível. Também é incrível a
situação do procurador Angelo Goulart Villela. Ele está preso há 50 dias.
Ele
foi detido em 18 de maio, acusado de vender informações de investigações em
andamento para a JBS, na Operação Patmos. Todos os demais foram soltos: a irmã,
a prima e o operador do senador Aécio Neves (que recuperou o seu mandato, por
decisão do Supremo Tribunal Federal), além do ex-deputado Rodrigo da Rocha
Loures. Na cadeia ficaram só o procurador federal e o advogado Willer Tomaz, da
J&F,
O
advogado Gustavo Righi Ivahy Badaró. Observa que seu cliente está preso há 50
dias. Só veio a ser ouvido pela primeira vez sobre a prisão no dia 4. Mas
apenas por procuradores designados para o processo administrativo. Não na
audiência de custódia em juízo, que tem prazo de 24 horas para ser realizada, a
partir da prisão.
“Ele
nem sequer foi ouvido. Não teve a oportunidade de mostrar a sua versão sobre os
fatos” ressaltou Badaró, em entrevista à Folha de S. Paulo de hoje.
Para
o advogado, o fato de Goulart ter a mesma ocupação do procurador-geral da
república “fez com que ele se tornasse peça importante para rebater aqueles que
apontam perseguição de Rodrigo Janot a Michel Temer. Ele acabou sendo um
inocente útil, para que não fosse colocado que o Janot só queria perseguir o
Temer”, sustenta Badaró.
Procurado
pelo jornal paulista, o Tribunal Regional Federal da 3ª região, com sede em
Osasco (São Paulo) informou que, no caso de Goulart, não havia instrução para a
audiência de custódia, já que a sua prisão não foi feita em flagrante, mas sob
decisão do ministro Fachin a partir de pedido da Procuradoria Geral da
República.
Mas
Badaró citou resolução do Conselho Nacional de Justiça, que determina a
audiência também nos casos de detenções por mandado. Ressaltou que o TRF marcou
a audiência para amanhã, em Brasília, onde seu constituinte se encontra, no
presídio da Papuda.
Segundo
a denúncia, Joesley Batista corrompeu o procurador Ângelo Villela para obter,
através dele, informações da Operação Greenfield, que investiga fundos de
investimentos privados em conexão com fundos de pensão de servidores públicos,
um dos quais envolve a Eldorado, a maior indústria de celulose do país,
controlado pela J&F.
Lotado
na Procuradoria-Geral Eleitoral, Goulart foi deslocado como reforçar a a
força-tarefa da Lava-Jato em março. Seus colegas começaram a desconfiar dele
quando a defesa da JBS repetia argumentos que ele apresentava ao grupo. Goulart
passou então a ser alvo de uma “ação controlada” da Polícia Federal autorizada
pelo STF a pedido de Rodrigo Janot. A conclusão da vigilância foi de que o
procurador passava informações discutidas na força-tarefa da Greenfield por
meio de áudios.
As
investigações foram realizadas simultaneamente à negociação da delação premiada
dos irmãos Batista. Joesley afirmou, em depoimento gravado, que o procurador
era orientado a obter informações.
“Ele
nega ter recebido ou oferecido qualquer valor. Ele nega que tenha tentado
obstruir a investigação. O objetivo era viabilização da delação premiada [dos
donos da JBS]. Ele confirma que gravou aquela reunião. Ele gravou para entender
como era o processo. Ele resolveu mostrar para o Willer [Tomaz, da J&F,
holding da JBS] para que o cliente quisesse ser o delator, e não o delatado”,
afirmou o advogado à Folha.
Segundo
Badaró, não havia “documentos secretos” de reuniões, conforme diz o processo,
porque o conteúdo dos relatórios que preparava, a chamada “memória da reunião”,
foi repassado para todos os procuradores. “Ele queria viabilizar os acordos [de
delação]. Tinha dez empresas, e uma delas era a Eldorado. Ele nunca pegou o
processo inteiro. Não tinha nada de corrupção nem de obstrução”, acrescentou o
advogado
Após
a prisão, Goulart foi afastado da força-tarefa e do cargo de diretor de
Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Janot pediu que ele fosse exonerado do cargo. Na época da prisão, Janot disse
que aquela etapa da Operação Lava Jato tinha um “gosto amargo” por ter
envolvido um procurador da república. Um gosto amargo institucional ou pessoal?
- (*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde
1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa
brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988
deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal
que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
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