CHACINAS: RETRATOS DA VIOLÊNCIA EM BELÉM-PA
Na
manhã de ontem, Ricardo Botelho morreu no Pronto-Socorro Municipal (PSM) da 14
de Março, em Belém. Ele é a 5ª vítima fatal da chacina ocorrida na noite de
anteontem, em um bar no bairro da Condor. Ontem de manhã, no asfalto da Rua
Nova II ainda estavam as marcas de sangue das vítimas mortas e baleadas. “Foi
muito tiro, muita gente correndo na rua, gritando”, relatou uma pessoa, que
preferiu não se identificar.
Uma
das vítimas fatais é Evandro dos Santos Sá, 37 anos. Ele foi baleado e chegou a
ser levado para o Pronto-Socorro Municipal (PSM) do Guamá, mas não resistiu. A
vítima trabalhava como agente de portaria da Fundação Hemopa e, após chegar do
serviço, foi assistir ao jogo entre o Paysandu e ABC, quando foi baleado.
“Vimos pessoas encapuzadas dando tiros em quem estivesse na rua”, disse outra
pessoa. Evandro deixou 4 filhos e esposa. “Todos os 5 que morreram eram
trabalhadores”, falou. Cerca de 11 pessoas ficaram feridas.
A
testemunha lembrou a brutalidade que Evandro sofreu, jogado no chão e já
baleado. “Chutaram o rosto dele”, disse. Os moradores também estavam revoltados
com o baleamento de um menino de 5 anos - que levou um tiro no pé - e uma
menina de 4 anos - atingida de raspão na cabeça. As crianças estavam próximas
ao bar, ensaiando quadrilha junto com outras crianças. Segundo populares, a
ordem era de não poupar ninguém, nem mesmo as crianças. “Eles (os atiradores)
gritavam: ‘É para atirar até nas crianças”, contou uma pessoa, que não quis se
identificar.
Os
corpos das 5 vítimas fatais da chacina foram levados para o Instituto Médico
Legal (IML), onde passaram por perícia durante a manhã e parte da tarde de
ontem. Jairo Lobato Pimentel, 38 anos; Sebastião Souza, 46 e Rodney
Vasconcelos, 26 anos, morreram no local do crime. Evandro foi socorrido ainda
com vida para o PSM do Guamá, onde morreu. Ricardo Botelho, que era integrante
da Escola de Samba Rancho Não Posso me Amofiná, foi socorrido para o PSM da 14
de Março, mas também não resistiu.
VÍTIMAS
Jairo,
Sebastião e Evandro estavam juntos no bar assistindo ao jogo de futebol.
Segundo relatos, os três eram amigos de longa data da vizinhança e eram unidos
sobretudo pela torcida ao time paraense. Segundo uma pessoa, ele trabalhava de
conferente em um supermercado no bairro do Guamá. Rodney Vasconcelos estava no
bar fazendo jogos online de apostas de times de futebol. Ricardo era o segundo
diretor de bateria do Rancho, escola de samba de Belém. A instituição emitiu
nota de pesar. “A bateria nota 10 do Rancho está de luto. É com profundo pesar
que a diretoria do Rancho Não Posso Me Amofiná comunica o falecimento de
Ricardo Botelho, o suíno, como era conhecido, segundo o diretor de Bateria da
Escola. Ricardo faleceu no Pronto-Socorro Municipal da 14, vítima da cruel
violência que assola nosso Estado. Além de um excelente músico, era trabalhador
e pai de família”, disse a nota.
A
Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) emitiu uma nota e se limitou a informar
que o titular da Secretaria, o general do Exército Jeannot Jansen, esteve
reunido com integrantes dos principais órgãos, entre eles as Polícias Militar e
Civil, com o objetivo de prosseguir nas medidas para elucidação dos homicídios.
Na tarde de ontem, um grupo de moradores do bairro da Condor protestou contra a
chacina. A manifestação ocorreu na travessa Apinagés.
DEPUTADOS
DEFENDENDEM SAÍDA DE SECRETÁRIO
Na
Assembleia Legislativa (Alepa), os parlamentares se mostraram indignados com a
onda de violência. “Queria saber se tem alguém em sã consciência no Governo do
Estado que acha que a Segup está bem. O secretário (Jeannot Jansen) deveria
pedir para sair”, afirmou Lélio Costa (PCdoB). “É barbárie em cima de barbárie.
Até quando o governador será omisso?”, revoltou-se o deputado. Presidente da
Comissão de Direitos Humanos da casa, Carlos Bordalo (PT) fez questão de
ressaltar que não há motivação aparente para os assassinatos. “Em casos desse
tipo, falam em rixa, confronto. Não foi o caso. Eram crianças, e pessoas
queridas pela comunidade”, destacou.
Tércio
Nogueira (Pros), e de carreira na Polícia Militar, fez uma triste observação: o
Pará virou o Estado da chacina. “Os mortos de hoje, como os das últimas,
viraram estatística. Até uma nova chacina acontecer. Falta política
direcionada, investimento na Segurança Pública. Primeiro passo seria a troca do
secretário.”
QUATRO
CHACINAS NA RMB APENAS ESTE ANO
Com
a chacina ocorrida na noite de anteontem, a Região Metropolitana de Belém (RMB)
já contabiliza 4 chacinas, somente no 1º semestre deste ano (veja box ao lado),
vitimando cerca de 50 pessoas. Para o doutor em Geografia Humana e coordenador
da Faculdade de Geografia da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Aiala
Couto, é preciso fazer uma reformulação nas políticas de segurança pública.
“Belém está dominada por grupos armados que impõem a lógica perversa do medo,
terror e, automaticamente, colocam em risco toda a sociedade”, ressalta.
Na
visão do especialista, a política de segurança pública no Pará é falha, uma vez
que trabalha somente no aspecto do combate e repressão ao crime, sem considerar
elementos importantes de políticas públicas.
PROBLEMAS
“Existe
um mecanismo de corrupção policial dentro do sistema de segurança pública,
existe uma política que não acompanha a realidade, existe uma vulnerabilidade
da população que é desassistida e, claro, uma atuação precária do poder público
em vários aspectos da vida humana”, pontua, ao afirmar que o poder público não
conhece a vida na periferia, que envolve uma série de ricos aspectos culturais
que poderiam ser potencializados para reduzir a violência.
Presidente
do Movimento Pela Vida (Movida), Iranilde Russo, 65 anos, fundou a ONG depois
de perder um dos seus filhos, o promotor de eventos Gustavo Russo, na época com
27 anos. O jovem foi assassinado com 7 disparos, por volta das 16h do dia 10 de
janeiro de 2005. Ele foi rendido por um criminoso em fuga e obrigado a sair
pelas ruas de Belém dirigindo o veículo, que foi interceptado e atingido por
tiros disparados por policiais militares, no cruzamento da João Paulo II com a
Mauriti.
Dos
8 policiais envolvidos, 5 foram condenados e 3 absolvidos, em 2010. O
Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) recorreu junto ao Tribunal de
Justiça do Estado, que revogou a decisão do júri popular. Um dos absolvidos já
morreu e os outros 2 foram julgados novamente e absolvidos, em abril deste ano.
“A impunidade contribui para que esses casos se repitam. É muito fácil se
livrar da cadeia. Governo, instituições e sociedade tem responsabilidade.”
Fonte/Foto: Emily Beckman, Pryscila Soares,
Carolina Menezes/Diário do Pará e redação – Marcelo Lelis
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