ARTIGO DEDOMINGO: O GOVERNADOR NA RETAGUARDA
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
O
governador Simão Jatene demorou toda uma semana para se manifestar publicamente
sobre a matança do dia 24 na fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco, no sul do Pará.
Mas não o fez, ontem, através de entrevista coletiva à imprensa ou por uma
cadeia de emissoras de rádio e televisão. Seu pronunciamento foi na forma de um
vídeo, eficiente meio de comunicação, mas tosco e inadequado diante da
gravidade do caso.
Como
tem sido a regra do seu comportamento diante de situações explosivas e
dramáticas, o governador, aquele que por mais vezes foi eleito pelo povo para o
cargo, prefere a solidão, que o preserva de questionamentos imediatos. Quer
falar sem contradita, como se fosse um juiz e não o detentor de função
política, tendo que prestar contas e não sentenciar.
No
seu pronunciamento, Jatene deixou de lado o caso específico da execução de 10
pessoas pela tropa da polícia militar e da polícia civil para proclamar que já há
uma tradição de intervenção eficiente e pacífica da força repressiva do Estado
nos conflitos agrários e fundiários, dos quais o Pará é – tristemente – líder
nacional.
O
governador se referiu a seis mil mandados judiciais de prisão que a polícia
cumpriu pacificamente e a “centenas” (deixou de lado a precisão estatística) de
reintegrações de posse cumpridas pela polícia, “sem que qualquer incidente
ocorresse” (a checagem só poderá ser feita quando a lista completa for
fornecida ao Ministério Público para análise).
Jatene
destacou dois casos exemplares: os assassinatos da missionária Dorothy Stang,
em 2005, e do casal de ativistas ambientais Cláudio e Maria do Espírito Santo,
em 2011, “nos quais a Polícia cumpriu rigorosamente seu papel, com apuração ,
identificação, prisão e entrega à justiça dos responsáveis”.
É
verdade. A questão é que, nos dois casos, os assassinos foram pistoleiros
profissionais, a mando de fazendeiros e madeireiros incomodados pela ação da
freira americana e dos dois líderes locais. O gravíssimo no caso de Pau D’Arco
é a volta da ação direta da polícia quase como milícia a serviço de terceiros
interessados na eliminação do grupo atacado pela força policial.
Independentemente
das informações que ainda precisam ser produzidas, o que recomenda a prudência,
a cautela e a honestidade apontadas pelo governador, para “evitar juízos
prévios e precipitados”, já não há mais
dúvida
de que as mortes ocorreram por execução deliberada. Se as vítimas eram bandidos
e se havia motivo para a polícia se prevenir, nada justifica a ação violenta,
incompetente e – talvez – de má fé da polícia.
Como
não justifica as divagações abstratas e os circunlóquios em torno da essência
da questão do governador no seu pronunciamento através de vídeo difundido pelas
redes sociais. A história, mais uma vez, bate à porta de Simão Jatene e ele
manda dizer que não está.
(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde
1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa
brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988
deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal
que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
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