ARTIGO DEDOMINGO: POBRE PARÁ
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
A
maior preocupação do secretário de segurança pública do Pará, general Jeannot
Jansen, na primeira declaração que fez sobre o conflito em Pau D’Arco, foi
ressaltar que a polícia – civil e militar – não cumpria mandado de reintegração
de posse. Ou seja: não ia desalojar os ocupantes da fazenda Santa Lúcia, como
acontecera em duas situações anteriores.
Desta
vez, a polícia cumpriria mandados judiciais de prisão contra quatro pessoas,
que teriam participado do assassinato de um vigilante da fazenda, ocorrido um
mês antes, e de busca e apreensão de armas e documentos. Na explicação do
secretário, a presunção era de que a operação resultara da constatação de que o
alvo eram delinquentes comuns e não posseiros.
A
versão oficial é coerente com essa tese. De 25 a 30 homens receberam a força
policial com tiros, aproveitando-se para essa iniciativa, do fato de estarem
numa área conhecida e a partir de uma trincheira que pudessem ter montado.
Tinham arsenal para essa decisão: 11 armas de grosso calibre, incluindo espingardas,
fuzil e uma potente pistola Glock.
Quem
já acompanhou esse tipo de situação, sabe que o tiroteio costuma se
generalizar. É quase impossível que só haja baixa de um lado – e do lado que
estava melhor posicionado no que os combatentes chamam de teatro de operações.
Essa
expectativa, ao contrário do que proclamou o delegado licenciado e deputado
federal Éder Mauro (do PSD), na sua reação corporativa e parcial, não significa
que se deseje a morte ou ferimento de policiais. É hipótese coerente com a versão
(cuja falsidade cada vez mais se revela) da secretaria de segurança pública.
Se
a tropa foi vítima dos primeiros disparos ao entrar na área é porque foi
surpreendida por essa reação. Até encontrar um lugar adequado para retrucar ao
ataque, inevitavelmente teria sofrido alguma baixa, mesmo que sem vítima fatal.
O tiroteio pesado deixaria marcas claras do combate, o que, nas vistorias
posteriores ao local, não foi percebido.
Mas
se os policiais só atiraram porque foram alvejados antes, sua maior preocupação
seria preservar a integridade do local para usá-lo como prova da sua versão,
logo posta em questão ou imediatamente
desacreditada. No entanto, a expedição retirou os cadáveres, arrecadou as armas
e limpou o ambiente, prejudicando – ou até inviabilizando – o trabalho dos
peritos.
Novamente
na sua manifestação utilitária, para ganhar a pronta aprovação dos seus pares e
das pessoas que encaram o problema por uma ótica simplista e radical, o
deputado Éder Mauro desdenha esse argumento. Disse que a ação foi humanitária.
Afinal, os policiais não iam deixar os cadáveres expostos.
A
gravidade do acontecimento, com 10 mortes só de um lado (e, talvez, mais oito
feridos que escaparam do tiroteio pelo mato), reforçaria o cumprimento do dever
profissional dos policiais de preservar a cena do crime, com os corpos
dilacerados pelas balas, o sangue espalhado e, sobretudo, a prova definitiva de
que houve mesmo um combate e não uma matança deliberada, planejada, cumprida
para atender uma das partes do conflito fundiário.
Suscitar
essa hipótese, de sólida consistência, não significa levar ao absurdo a defesa
dos direitos humanos, como se apenas uma das partes, a falsamente (ou
verdadeiramente) mais fraca, enquanto a outra, a dos policiais e fazendeiros, é
totalmente ignorada.
O
maniqueísmo se mostra deturpador em mais este exemplo. Se houve um momento em
que o conflito era claramente entre duas partes, a dos donos (por justo título
ou mera grilagem) da terra e os posseiros, que só dispunham do seu trabalho
para exercer seus direitos, hoje esse dualismo desapareceu.
É
tal o fracasso do governo como órgão regulador de litígio, acompanhante dos
fatos e repressor de ilícitos que os atores em cena se diversificaram muito. Em
meio a posseiros há pistoleiros, grileiros, desmatadores, intermediários de
fazendeiros e um universo humano que se desenvolveu sobre a incompetência da
administração pública.
Ainda
assim, o caso de Pau D’Arco tem uma violência e um nítido sentido de
parcialidade que torna difícil – se não impossível – absorver as explicações do
governo, formuladas – mais uma vez – com incompetência pelo abúlico secretário
de segurança pública.
A
figura inexpressiva do general Jansen parece só se manter diante da criminosa
omissão do governador Simão Jatene. Mais uma vez, diante de novo escândalo, que
devolve o Pará ao pior noticiário nacional e internacional, o governador sumiu.
Nesses
momentos, o tucano parece renunciar à condição de comandante-em-chefe da força
policial, que só exerce em momentos festivos, com hinos, dobrados e medalhas. O
Pará que trate suas dores por si próprio, dentre as quais matanças como esta,
21 anos depois de Elsorado dos Carajás, é o atestado da continuidade de uma
marca que tanto mal lhe faz: a selvageria.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(*) Lúcio Flávio Pinto
é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das
principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em
O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal
Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
Nenhum comentário:
Postar um comentário