ARTIGO DEDOMINGO: OS DONOS DO PODER
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
Marcos
Antonio das Neves encerrará melancolicamente o seu mandato como chefe do
Ministério Público do Pará, transmitindo, na segunda-feira, o cargo a Gilberto
Valente Martins, o primeiro promotor a exercê-lo. Desfecho triste, sim, mas não
incongruente com o que fez o procurador-geral de justiça do Estado.
Como
tem sido a regra na república brasileira, o chefe faz da instituição um
instrumento do seu projeto pessoal. Neves queria que o seu sucessor fosse o
promotor César Mattar. Parecia que ia conseguir esse objetivo. Foi ao
governador para acertarem a escolha.
Numa
flagrante afronta à independência entre os poderes da república, é o chefe do
poder executivo quem nomeia todos os
chefes dos demais podees e dos quase-poderes, mas cheios de cargos a dispor sem
concurso público e verba nem sempre sujeita ao devido controle.
Simão
Jatene ouviu tudo que Marcos Antonio tinha a lhe dizer. Segundo uma fonte
palaciana, ficou rouco de tanto ouvir, sem gastar saliva com aceitação ou
promessa. Mas o chefe do MP saiu do encontro certo de que se o seu delfim
vencesse a eleição, na qual, pela primeira vez os promotores puderam votar e
ser votados, ele seria sacramentado.
César
Mattar ganhou por boa diferença de votos sobre Martins. A festa da vitória foi
calorosa. Um dia antes de decidir o contrário, Jatene chamou Marcos Antonio e
lhe disse que, infelizmente, ia escolher o candidato da oposição, segundo
colocado na eleição geral. A razão: Mattar não tinha currículo para assumir a
função. O do seu oponente era brilhante. Ia prevalecer o mérito.
O
já ex-aliado ainda insistiu demoradamente. Durante mais de duas horas tentou
convencer o governador a voltar atrás e cumprir o que o chefe do MP entendeu
ter sido um acordo, em retribuição aos serviços que prestara ao tucano.
O
maior deles: não autorizar o procurador Nelson Medrado e o promotor militar
Armando Brasil denunciarem o governador por improbidade administrativa. Jatene
seria – e foi – acusado de favorecer o filho, Alberto, dando-lhe o fornecimento
de combustível para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Beto teria faturado
cinco milhões de reais com o presente.
Saindo
furioso da frustrante conversa, o procurador-geral de justiça deixou para os
últimos dias do seu mandato a reversão vingativa: se antes protegera o
governador se recusando a autorizar o procedimento, agora iria autorizá-lo, o
que fez na quarta-feira passada.
Automaticamente,
Medrado e Brasil se veriam livres do inquérito administrativo instaurado contra
eles no MP paraense e poderiam suprir a exigência da juíza responsável pelo
processo. Kátia Parente queria extinguir a ação porque os dois autores não
seriam competentes para instaurar o processo contra o governador, que tem
privilégio de foro. Por isso mesmo Jatene questionou a presença de ambos à
frente da ação perante o Conselho Nacional do Ministério Público, que ainda não
deliberou a respeito.
O
novo procurador-geral assumirá o cargo na segunda-feira com essa batata quente
inaugural. Se retirar a autorização, se desmoralizará. Mantendo-a, desagradará
quem o nomeou. Os palacianos certamente dirão que ele apunhalou seu padrinho,
tornando-se um traíra.
O
desafio será ótimo. As pessoas passam, as instituições ficam. O rei-sol da
França achava que o Estado era ele. Parece que os chefes dos poderes no Pará
ainda não se convenceram de que a monarquia acabou no Brasil, substituída por
essa república que está aí. Devem, pois, ser lembrados pelo personagem para
cujo benefício deviam se empenhar os que respondem pelas instituições: o povo.
(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde
1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa
brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988
deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal
que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No
jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças
sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em
2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.


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