AFUÁ, NO MARAJÓ, A CIDADE DO PEDAL, GANHA DESTAQUE NA FOLHA DE SP
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Foto: Mauricio de Paiva |
Na Folha de S. Paulo, hoje, 3:
Quarta-feira,
23h47, um paciente com a perna quebrada é colocado numa “bicilância” para ser
transferido para Macapá. Ele é levado por cerca de 500 metros num quadriciclo
improvisado como ambulância, do hospital da cidade ao porto. De lá, deixa
terras paraenses e segue de lancha até a capital do vizinho Amapá.
Na
tarde do mesmo dia, três policiais patrulhavam de “magrela” o bairro do Capim
Marinho, um dos mais violentos do município. No dia seguinte, por volta das
20h, pilotos de “bicitáxis” se aglomeram em torno do cais esperando a chegada
dos passageiros do Amapá.
No
lado noroeste do arquipélago marajoara, formado por milhares de ilhas, Afuá é a
cidade do pedal. Em linha reta, ela fica a 256 km de Belém e a 79 km de Macapá.
Erguido
sobre palafitas (estacas que sustentam habitações construídas sobre a água)
para escapar dos efeitos das marés, o município paraense faz da bicicleta o
principal meio de transporte. Lá, é proibido por lei o tráfego de carros e
veículos motorizados.
As
estreitas ruas convivem com o vaivém diário de ciclistas. Chamada de Veneza do
Marajó, a cidade de quase 40 mil habitantes tem quase uma bicicleta por pessoa
na área urbanizada, onde vive metade da população. O restante mora em áreas
ribeirinhas e usa os barcos para se locomover. Na sede, até a polícia faz a sua
ronda de bicicleta. As perseguições também são feitas no pedal.
Os
moradores são habilidosos. Quase todos conseguem guiar e segurar uma sombrinha
para se proteger do sol forte ou das chuvas. As crianças também cruzam a cidade
pedalando.
“Não
queremos o carro aqui. Nossa ruas não suportariam o peso deles. A opção pelo
pedal foi acertada. Além disso, a bike nos obriga a fazer um exercício e manter
a saúde”, afirma Valdinei Garcia, 20, que trabalha como “bicitaxista” na
cidade.
O
“bicitáxi” foi criado por um morador nos anos 90. Começou como um triciclo.
Hoje, os donos juntaram duas bicicletas e criam um quadriciclo, usado para
transportar idosos com dificuldade para locomoção, moradores com malas e
visitantes. O posto médico local também tem a sua “bicilância” para socorrer os
pacientes.
PONTES
Construída
em cima de uma área de várzea, a cidade tem palafitas para evitar ficar com
ruas e casas alagadas por causa da maré, que oscila durante o dia inteiro. As
residências são quase todas de madeira. Como as ruas não têm calçadas, os
moradores levantam “pontes” para entrar nas suas casas.
“Essa
foi a solução criativa encontrada pelos moradores para habitar aquela região,
que tem uma cota baixa, quase quatro metros abaixo do nível do mar. A cidade
está sempre desafiando a água”, diz o professor Ronaldo Marques de Carvalho, da
faculdade de arquitetura da Universidade Federal do Pará.
Distante
cerca de quatro horas de barco de Macapá e um dos 16 municípios do arquipélago
do Marajó, Afuá tem índices sociais baixos –46% da população em pobreza
extrema, segundo a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas. Não há
rede de esgoto, e os dejetos das casas são despejados no solo e no rio.
Açaí
(base da culinária local), palmito, camarão e peixes são as principais fontes
de renda da população. Apenas seis PMs são responsáveis pela segurança do
município. Com a escala, só três trabalham por dia. Furtos de casas e
bicicletas são diários. Na cidade há até um desmanche do veículo.
FERRARI
DE MADEIRA
Pela
manhã e no final da tarde, o trânsito chega a ficar intenso nas ruas
principais.
A
prefeitura já até tentou ordenar o tráfego nos cerca de 30 km de ciclovias, mas
desistiu da ideia. Os acidentes são raros. A agitação fica ainda maior no centro
com a trilha sonora de sucessos do carimbó saindo dos alto-falantes espalhados
pela rádio comunitária local.
Os
moradores também gostam de enfeitar as bicicletas e os quadriciclos. Alguns
chegam a gastar R$ 10 mil para construir seus “carros”.
O
vendedor Orderdey Monteiro Lobato, 36, é o dono da “única Ferrari” da cidade.
Ele demorou um ano para fazer um quadriciclo de madeira inspirado nos carros da
montadora italiana.
“Sempre
quis ter um carro, mas aqui é impossível. Por isso, dei o meu jeito. Posso
dizer que sou um dos poucos que têm carro em Afuá”, brinca Lobato, que costuma
pedalar com o veículo pelas palafitas da cidade nos finais de semana com a
mulher.
Durante
o período das cheias do rio Amazonas e de seus afluentes, a água chega a tomar
conta das ruas da cidade por horas em março. O fenômeno chamado de lançante é
comemorado pela maioria da população.
“É
uma festa para as crianças. Quem mora aqui considera que a água é vida. Então,
teremos vida pra sempre. Basta olhar em volta”, disse o batedor de açaí Arlindo
Batista Pureza Júnior, 44, antes de subir na sua bicicleta.
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