ARTIGO: TERCEIRIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO
"Não
te dei, ó Adão, meu rosto, nem um lugar que te seja próprio, nem qualquer dom
particular, para que teu rosto, teu lugar e teus dons, os conquistes e seja tu
mesmo a possuí-los. Encerra a natureza outras espécies por mim estabelecidas.
Mas tu, que não conheces qualquer limite, só mercê do teu arbítrio, em cujas
mãos te coloquei, te defines a ti próprio. Coloquei-te no centro do mundo, para
que melhor possas contemplar o que o mundo contém. Não te fiz nem celeste nem
terrestre, nem mortal nem imortal, para que tu, livremente, tal como um bom
pintor ou um hábil escultor, dês acabamento à forma que te é própria".
(Picolo de La Miranda, "in" "Reflexão Ética Sobre a Dignidade da
Vida".
Superados
os governos que nos afundaram em pântano profundo, mas presentes seus efeitos,
não por isso devemos ser acríticos no processo de resgate do bem do País e de
nosso homem.
A
terceirização desumaniza porque cria o terceirado, talvez reduzido "às
outras espécies por mim estabelecidas".
Façamos
abstração do atentado à isonomia material. Como trabalhador se segunda
categoria, sem vínculo, sem identificação, sem compromisso com a empresa que se
vale de sua força de trabalho, esta é a única coisa que parece importar. O
trabalho não é algo espiritualizado. Logo, passamos a maior parte de nossas
vidas engessados no mundo material, grosso e tosco.
A
terceirização consagra essa brutalidade do homem. Não mão inversa dos que
consideram o trabalho parte da essência humana. Sem trabalho, criativo e
consciente, o homem não é homem, pelo menos na acepção que adotamos, cremos que
em boa companhia.
Porque
ficar satisfeito, realizado, o terceirizado, com sua obra? A qualquer momento
poderá estar em outra empresa. Esse aperfeiçoamento não faz parte de sua
natureza humana. E, indiretamente, com reflexo sobre os efetivos, tomados do
medo de demissão e não das esperanças compatibilizadas com as esperanças da
empresa. Ambos homens partidos ao meio no plano espiritual ou psicológico, no
consciente e no inconsciente. Não é esse tipo de andrógino ser desfigurado que
deve povoar a Terra.
Nossa
Constituição assenta como preceito fundante o valor social do trabalho. Não se
confunde o princípio com salário e outras contrapartidas materiais. Tem em
mente essa espiritualidade do labor.
A
Lei Complementar nº 7/70 (quem diria?) fala em "integração do empregado na
vida e no desenvolvimento da empresa". Para seus fins, é certo, mas o
valor incrustrado na norma é um dos "princípios implícitos" de
direitos de nossa Carta Política. Assim como a "proibição de
retrocesso" dos direitos sociais, explícitos em outras Cartas Constitucionais.
A
Carta Encíclica "Laborens Exercens", divulgada pelo Papa João Paulo
II por ocasião do 90º aniversário da "Rerum Novarum", diz que
"somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o
realiza preenchendo com ele a sua existência sobre a Terra. Assim, o trabalho
comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma
pessoa que é pessoa numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a
qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua
própria natureza" (Prólogo).
Contra
todos esses princípios, ao terceirizar, a Câmara dos Deputados do Brasil
transformou-o num imenso zoológico.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado
e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados, com uma ampla visão sobre política, economia, cenário sindical e
assuntos internacionais.

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