ARTIGO DEDOMINGO: ROMEU E JULIETA NA SELVA
- por Lúcio
Flávio Pinto (*)
(Meu último artigo publicado no site Amazônia Real)
Os guerreiros Uru-Eu-Wau-Wau descobriram que
autoridades do primeiro escalão do governo de Confúcio Moura, do PMDB de
Rondônia, distribuíram ilegalmente lotes
das terras pertencentes ao seu povo, conforme denúncia feita neste site por
Elaíze Farias. Participaram da reunião de partilha mais de 50 pessoas, entre
agricultores, madeireiros e grileiros, parcela de um total de 800 pessoas que
invadiram a reserva.
O total chegou a cinco mil invasores, a maioria dos
quais afastados pela intervenção dos próprios índios, que têm sido os mais
ativos na defesa do seu patrimônio. Os representantes do governo se empenham em
abrir cunhas na reserva porque às proximidades estariam acampados
irregularmente entre 800 e cinco mil pessoas aguardando a regularização de
lotes pelo Incra.
A área fica no limite do projeto de assentamento de
colonos Burareiro, criado nos anos 1970 pelo Incra, também dentro do território
Uru-Eu-Wau-Wau, que possui quase 1,2 milhão de hectares e está na mira da
expansão do agronegócio. Por considerar o projeto ilegal, a Funai, recorreu à
justiça federal, onde a ação tramita, ainda sem uma decisão, há quatro décadas.
Enquanto isso, a perturbação na reserva é crescente e cada vez mais tensa. Um ambiente
preparatório ao conflito.
Testemunhei algo bem parecido quatro décadas atrás,
entre 1974 e 1976. O conflito era entre os colonos do Projeto Integrado de
Colonização Gy-Paraná e os índios suruí, do Riozinho. Funai e Incra agiram com
incompetência (ou má fé) ao traçar a linha divisória entre as terras reservadas
ao assentamento de colonos e a área indígena. Deixaram um bolsão vago entre a
última linha de penetração a partir da BR-364 (Cuiabá-Porto Velho) e terras
tradicionalmente de domínio dos suruí. Foi o bastante para que a disputa entre
eles se tornasse sangrenta.
Em meio ao conflito possessório, uma história de
amor. O índio Oréia e Arminda Krugel se viram e se apaixonaram. Ambos jovens.
Ele, guerreiro, um índio característico. Ela, descendente de alemães que se
instalaram em Colatina, no Espírito Santo, branca, loura, de olhos verdes,
muito bonita. Seu pai vetou definitivamente qualquer relação entre eles.
Arminda fugiu para a aldeia e foi viver como uma índia na companhia de Oréia.
Estavam felizes.
Enquanto a tensão crescia, Oréia e outros jovens
guerreiros foram caçar, atividade esportiva, de sobrevivência e ritual. Ele
deixou Arminda com os pais, que a despacharam imediatamente para o Espírito
Santo. Ao voltar à casa dos colonos capixabas, Oréia soube da má notícia, mas
não reagiu. O ambiente lhe era hostil. Ele acampou às proximidades. Com a noite
alta, cercou a casa, entrou pelos fundos e deu uma machada naquele corpo que
supunha ser o do pai da sua amada. Era do primo dela, Satilo Krugel.
Os brancos se armaram e atacaram. Os suruí se
armaram e retrucaram. Quando passei por lá, numa das constantes viagens que
nessa época fazia ao Acre e Rondônia, a guerra estava na sua plenitude. Oréia
não fazia mais parte dela nem de nada. Ele deixara de comer. Passava o dia
olhando as roupas de Arminda contra o sol e pedindo a alguém que lesse uma
carta que ela lhe escrevera.
Debilitado, foi levado ao hospital de Cacoal e, em
seguida, para a sede do Parque Nacional de Aripuanã, porque a família de
Arminda jurava vingança. Diante do comportamento de Oréia a partir do sumiço de
Arminda, todos na aldeia achavam que ele se suicidaria aos poucos. Mas não
conseguiu. Foi assassinado antes. Quem o matou ninguém soube.
Por um motivo elementar: ninguém foi atrás do assassino.
(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as
redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante
18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa.
Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde
1987, baseada em Belém.
No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois
Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da
verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio
Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for
Jornalists Protection), de Nova York.
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