ARTIGO: CARNE FRACA, CARNE PODRE
Aos sessenta e cinco anos de minha idade no Brasil,
imaginei ser impossível ficar estarrecido. A imagem acaba de ser desfeita, com
as notícias dadas acerca dos frigoríficos e da corrupção no Ministério da
Agricultura. Tínhamos algumas ideias superficiais, dadas as informações
recebidas de um de nossos constituintes, Sindicato dos Empregados nas
Indústrias de Alimentação de São Paulo, hauridas em visitas aos locais de
trabalho para salvaguardar condições de higiene laboral. Nossos engulhos
estão ativos enquanto escrevemos este texto.
Enquanto advogados egressos da célula mater do
Largo de São Francisco e obviamente achegados aos princípios do humanismo penal,
verificamos, entretanto, em determinados momentos e circunstância, quão sábio
foi o Código de Hamurabi, por exemplo, ao consagrar a lei taliônica (olho por
olho, dente por dente). É uma regra estrita de proporcionalidade. Está
empregada de caráter sinalagmático perfeito, em que são pressuposta a
equipolência das prestações, transportado o princípio do contratualismo civil
para o direito criminal.
Nossa Constituição proíbe a pena de morte, mas
poderíamos alterar o Código Penal, para introduzir uma pena segundo a qual
todos aqueles que concorreram para o infame crime de nos alimentar e a nossas
famílias com carne podre seria a de ficar confinados num estabelecimento
prisional rural, situado nas regiões mais quentes do Brasil, com a obrigação
precípua de recolher diuturnamente os estrumes dos bois e demais semoventes,
preparando-os para produção de gás metano, que pode significar a solução de
problemas energéticos de todo o mundo.
Considerando que a Constituição brasileira,
promulgada para os cidadãos e não para essas espécies vulgares da vida, não
admite, entretanto, o direito penal subjetivo, a tortura, as penas cruéis e
degradantes, obstruímos nossa vontade de propor que esses indivíduos -
empresários e administradores corruptos - nessas condições, pudessem ter
direito unicamente a um banho semanal, sem direito a sabonete, com direito
apenas ao sabão minerva- não sei se ainda existe.
Ficamos com a sensação de que nossas entranhas
estão tão podres como a ética desses criminosos. Na incerteza e na insegurança
quanto a ter ingerido, por quantas vezes, carnes putrefatas. Sobrevivemos,
porque carregamos nossos genes mais primitivos, na época em que apreendemos a
pensar, mediante o seguimento dos voos dos urubus. Comedores de carniça, como
toda a raça humana, por meio da história hereditária os brasileiros não
sucumbiram.
Em face dessa natureza umbrosa, somente
circunstâncias semelhantes ao inferno dantesco poderiam assemelhar-se à pena
justa, sem deixar de observar que nenhuma pena repara. Consequentemente,
ficamos com o sabor amargo do excremento em nossas línguas, nossos esôfagos,
nossas tripas, nossos corações e, sobretudo, em nossos cérebros que se recusam
a acomodar-se. O homem médio brasileiro, o homem cidadão, em face de
tantos agravos, já se pergunta se é possível continuar a viver em seu berço
natal, em seu território em que Caminha disse ao rei que tudo dá,
principalmente delinquentes, meliantes, safardanas, a cujos acusados não
podemos, evidentemente, recusar o devido processo legal e o direito de defesa.
Mas, ao mesmo tempo, temos de nos garantir o devido processo legal
substantivo e o direito de viver, aqui ou alhures.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é advogado, renomado jurista brasileiro com
uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da
atualidade em geral.

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