POR QUE A FUNAI NÃO É COMANDADA POR UM INDÍGENA?
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Mobilização pela promoção de um presidente indígena na Funai |
O Brasil é um país plural, principalmente étnica e culturalmente.
A nomeação do novo presidente da Fundação Nacional, no último dia 13, levanta a
questão
O
Brasil é um país plural em vários sentidos, principalmente étnica e
culturalmente. Dar voz a essa pluralidade não é simples, mas existem exemplos
de avanços. Há negros comandando órgãos de igualdade racial, mulheres em
instituições de defesa dos direitos da mulher, e homossexuais em organizações
LGBT. A nomeação do novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), no
último dia 13, levantou a questão: por que a Funai não é comandada por um
indígena?
"Não
é só na Funai, em vários níveis da sociedade brasileira o indígena é posto à
parte, como incapaz ou 'inqualificado'. No Governo Temer, por exemplo, é
possível notar a falta de representatividade com relação ao número de
funcionárias mulheres, homossexuais ou negros. O indígena é igualmente
sub-representado na sociedade e nos poderes", avalia a indigenista
Ivaneide Bandeira Cardozo. Para ela, que não concorda com a nomeação de Antônio
Fernandes Toninho Costa para o comando da Funai, o Brasil é um país extremamente
preconceituoso com os indígenas.
Toninho,
como é conhecido, é formado em Odontologia e especialista em saúde indígena
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De 2010 a 2012, atuou como
coordenador-geral de Monitoramento e Avaliação da Saúde Indígena na Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Ele também foi
assessor técnico de duas comissões parlamentares da Câmara dos Deputados
ligadas ao tema e consultor da Organização Pan-americana para Saúde Indígena.
Participou ainda da Missão Evangélica Caiuá da Igreja Presbiteriana do Brasil,
entre os anos de 2005 a 2009, como coordenador técnico de Saúde.
A
reportagem do Portal Amazônia entrou em contato com o Ministério da Justiça
para saber os critérios de escolha do presidente do órgão. Por meio de nota, o
Ministério não explicitou quais seriam as qualidades exigidas, mas sobre Toninho,
disse que "pela experiência de 25 anos com a questão indígena, o
presidente [nomeado] da Funai apresenta as condições de conhecimento técnico
necessário para exercer a presidência da Fundação Nacional do Índio".
Uma
das maiores organizações indígenas brasileiras, a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib) publicou nota criticando severamente a escolha de
Toninho. "Diante das indicações à presidência e cargos de
diretoria
na Funai, preenchidas como parte da cota do Partido Social Cristão (PSC),
decorrente das articulações do golpe parlamentar que levou Temer à Presidência
da República, a instituição repudia as tentativas de militarizar e desmontar o
órgão indigenista, com a nomeação de militares para presidí-lo, a redução
drástica do orçamento e do quadro de servidores, a paralisação das demarcações
das terras indígenas", diz trecho da nota.
"Recuar jamais na defesa dos direitos conquistados
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, diante das
indicações à presidência e cargos de diretoria na Funai, preenchidas como parte
da cota do Partido Social Cristão (PSC) decorrente das articulações do golpe
parlamentar que levou Temer à Presidência da República, reafirma publicamente
as suas anteriores manifestações nas quais repudiou as tentativas de
militarizar e desmontar o órgão indigenista, com a nomeação de militares para
presidi-lo, a redução drástica do orçamento e do quadro de servidores, a
paralisação das demarcações das terras indígenas, as mudanças por meio de
iniciativas legislativas ou medidas administrativas do procedimento de
demarcação, a crescente criminalização de lideranças indígenas.
A decisão da Casa Civil de efetivar indicações do PSC não poderia
ser diferente, pois esse é o perfil e a cara do ilegítimo Governo Temer, alavancado
pelas bancadas ruralista, evangélica, da mineração, do boi, da bala, e assim
por diante. Contrariando o entendimento do movimento indígena e de seus
aliados, apoiado por amplos setores da opinião pública nacional e
internacional, o governo manteve a decisão confrontar os povos indígenas,
nomeando para compor a equipe da Funai
um diretor militar, o general Franklinberg, rotundamente contestado
pelas mobilizações indígenas quando pretendia ser presidente do órgão.
O movimento indígena não pode esquecer que o PSC é parte do
batalhão de parlamentares que perseguem suprimir os direitos constitucionais
dos povos indígenas: votou a favor da PEC 215, compõe a CPI da Funai / Incra
por meio do deputado Bolsonaro filho, e é postulador do projeto de lei do infanticídio
voltado a criminalizar os povos indígenas. Ou seja, trata-se de um partido
antiindígena. Será que o novo presidente, Antônio Costa, vai conseguir
re-erguer a Funai, se contrapondo às diretrizes do seu partido, assegurando a
implementação de todas as reivindicações publicamente conhecidas dos povos e
organizações indígenas?
A APIB chama a suas bases a estarem vigilantes, fortemente unidos,
e a não recuarem jamais na defesa de seus direitos conquistados.
Brasília – DF, 13 de janeiro de 2017.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB"
Indicação
Em
junho de 2016, quando o então presidente João Pedro Gonçalves da Costa deixou o
cargo, parte do movimento indígena chegou a se articular para fortalecer a
indicação do acreano Sabá Haji, da etnia Machinere, ao comando da Funai.
Lideranças do Acre do PMDB e do DEM chegaram a formalizar a indicação, mas o
esforço foi em vão. "Não é uma questão de falta de qualificação. Em 2016,
várias associações indígenas de todo o Brasil fizeram campanha para o Sabá
Machinere do Acre. Nós enviamos cartas para o Ministério da Justiça, visitamos
deputados e senadores em Brasília e mesmo assim não fomos ouvidos", conta
Ivaneide.
Sebastião
'Sabá' Haji Machinere é especialista em direitos indígenas pelas Nações Unidas
e já foi presidente da União das Nações Indígena do Acre. Ele defende que a
atual conjuntura política é uma das principais forças contra a atuação indígena
dentro da própria Funai. "Neste momento, o governo está comprometido com
as forças que o apoiam, que são exatamente os grupos anti-indígenas no Brasil:
a bancada evangélica, os latifundiários, o agronegócio e os representantes dos
grandes empreendimentos. Um indígena na direção do órgão que busca cumprir o
objetivo de garantir os direitos indígenas no Brasil, iria totalmente contra o
projeto do atual governo”, avalia.
Uma
das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro, Ailton Krenak,
acredita que, atualmente, a presidência da Funai é meramente formal e quase
totalmente destituída de poder. Segundo ele, o cargo é utilizado para
negociações entre governo e partidos, deixando de tomar boa parte das decisões
relevantes.
"Na
verdade, é um cargo quase simbólico, porque o presidente da Funai não manda nada!
Quando se trata de terras indígenas invadidas, o problema acaba indo para o
Supremo Tribunal Federal. A Sesai, dentro do Ministério da Saúde, realiza todas
as atividades de saúde das comunidades. Quando algum grande empreendimento
impacta em áreas indígenas, quem intervém diretamente é o Ibama. Ou seja, quase
nenhum dos grandes problemas indígenas da atualidade está no poder da
Funai", afirma Aílton.
Autonomia
Por
outro lado, o mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília
(UnB), Gersem Baniwa propõe a seguinte reflexão sobre o movimento indígena
organizado brasileiro: "o essencial é manter-se autônomo"."A
tendência no movimento indígena é não se envolver diretamente com indicações de
cargos. De acordo com a lei, a escolha dos presidentes de órgãos federais é uma
prerrogativa do governo. Isso não significa que não apoiamos um indígena para o
comando da Funai. Nós só estamos focados em defender os direitos indígenas de
maneira plena e autônoma", opina.
Além
disso, ele acha que indígenas não devem negociar com políticos para que não
resulte na perda parcial de direitos, seja qual for a contrapartida.
"Esses cargos podem se tornar um peso para os próprios indígenas. É
preferível nos mantermos autônomos para cobrar através da lei os nossos
direitos garantidos. Para mim, a Funai não ter um presidente indígena é algo
secundário. Importante mesmo é ter políticas públicas de qualidade voltadas
para nós e uma comunidade ativa para cobrar essas ações", explica.
Indígenas merecem oportunidade
Agrônomo
e ex-presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa acredita que o
compromisso com os direitos indígenas e a autonomia são os fatores mais
importantes gerir o órgão, que comandou de 2015 a 2016. Para ele, tanto
indígenas quanto não indígenas podem comandar a Fundação de maneira consciente
e habilitada.
Gonçalves
concorda com Sabá Haji sobre as relações do Governo Temer com setores rivais da
agenda indígena. "É um governo compromissado com o agronegócio e a bancada
evangélica. Por isso os indígenas e seus representantes, como a Apib, discordam
tão veementemente da nomeação do novo presidente. A verdade é que todos têm
medo do que esse governo vai fazer com os direitos indígenas. Acredito que
haverá cada vez mais conflitos", avalia Gonçalves.
O
ex-sertanista Sydney Possuelo foi presidente da Funai de 1991 a 1993. Segundo
ele, poucos pessoas à frente do órgão realizaram grandes feitos na questão
indígena. "Ao longo desses 517 anos de contato entre indígenas e
não-indígenas poucos foram os representantes indígenas em algum braço
governamental. Os indígenas hoje estão cada vez mais qualificados e talvez seja
o momento de colocá-los em presidências e diretorias".
Para
Possuelo, a facilidade de nomeação do governo para os cargos de confiança da
Funai poderia ser usado como ferramenta para testar representantes de diversas
etnias brasileiras. "É um cargo de confiança? Coloca um indígena! Porque
no final é importante tentar coisas novas, ouvir o que os indígenas estão
pedindo. Se não der certo, é só 'desnomear', como acontece com qualquer
não-indígena", diz.
Entretanto,
mesmo concordando que a Funai deva ser presidida por um indígena o
ex-sertanista discorda da ideia de que os indígenas devam escolher seu próprio
representante. "O que eu não concordo é fazer enquete pra decidir quem vai
ser escolhido. O Brasil tem mais de 100 etnias, cada uma falando a própria
língua e com sua própria cultura. Ora, se nós, não indígenas, que falamos a
mesma língua e temos a mesma cultura, já não chegamos a um acordo, imagine os
indígenas", afirma.
Fonte/Foto: Isaac Guerreiro – Portal Amazônia/Divulgação
- APIB
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