MINISTRO DA JUSTIÇA ALTERA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO PAÍS
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (foto), publicou portaria que
altera o sistema de demarcação de terras indígenas em vigor no país desde
meados dos anos 90.
A
medida, divulgada no "Diário Oficial" desta quarta-feira (18), criou
um grupo de trabalho no ministério com o poder de reavaliar os processos de
demarcação em andamento submetidos à assinatura do ministro, realizar
"diligências" e observar "cumprimento da jurisprudência do STF
[Supremo Tribunal Federal]".
A
Folha havia revelado em 12 de dezembro que um plano do governo iria alterar o
regramento das demarcações, incorporando teses caras a entidades do agronegócio
e à bancada ruralista no Congresso. Na época, o Ministério da Justiça disse
desconhecer o assunto e negou que iria alterar o sistema.
A
portaria agora divulgada pelo ministro, porém, incorpora todos os principais
elementos do estudo revelado em dezembro, incluindo uma "reparação" a
indígenas em caso de "perda de área".
O
processo de demarcação hoje em vigor segue o rito previsto no decreto 1.775, de
janeiro de 1996, assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo
então ministro da Justiça, Nelson Jobim, cuja constitucionalidade foi
reconhecida diversas vezes pelo STF.
Pelo
decreto, a análise antropológica da terra apontada como indígena e o
contraditório na discussão do tema, incluindo a manifestação de partes
interessadas e a apresentação de laudos e testemunhas, ocorrem no próprio
decorrer do processo sob responsabilidade da Funai (Fundação Nacional do
Índio).
Depois
que o processo é encerrado na Funai, segue para a assinatura do ministro da
Justiça e, de lá, para a Presidência da República.
Com
a portaria de Moraes, o Ministério da Justiça passa a deter, na prática, o
poder de rever todo o processo original da Funai. A medida fragiliza os
trabalhos da Funai, que é subordinada ao próprio ministério. Segundo a
portaria, o ministro da Justiça poderá convocar "audiência pública para
debates sobre a matéria do processo".
A
portaria também abre espaço para a ação de grupos de pressão do meio ruralista,
como sindicatos de produtores rurais, ao estabelecer que poderão "ser
criados outros meios de participação das partes interessadas, diretamente ou
por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas".
Ao
falar sobre "jurisprudência do STF", a portaria de Moraes abre espaço
para a adoção, pelo Executivo, da tese do "marco temporal" levantado
por alguns ministros do tribunal, segundo a qual os indígenas só poderiam ter
direito às terras caso estivessem sobre elas em outubro de 1988, quando da
promulgação da Constituição, ou se tivessem brigado judicialmente por elas
depois disso.
CRÍTICAS
A
organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) reagiu
negativamente à portaria. "É bastante preocupante porque a portaria cria
um novo sistema de demarcação, usurpando a competência do presidente da
República", disse Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. Ela afirmou
que a portaria na prática promove uma "reanálise do trabalho
antropológico" não prevista na legislação em vigor.
O
secretário executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Cleber
Buzatto, afirmou que a portaria foi recebida "com surpresa e
preocupação". "Não houve qualquer tipo de discussão com o movimento
indígena e nesse sentido entendemos que há uma ilegalidade na portaria",
afirmou Buzatto, em referência a uma convenção da OIT (Organização
Internacional do Trabalho) que prevê a participação dos indígenas na discussão
prévia de medidas tomadas pelo Estado que tenham repercussão sobre eles.
Buzatto
disse que a medida "cria um ambiente de desconfiança sobre o caráter
técnico dos estudos realizados pela Funai". "A portaria dá a entender
que o ministério está criando uma instância que vai supervisionar os estudos
técnicos dos grupos constituídos para a identificação e delimitação das terras
indígenas", disse Buzatto.
A
respeito da menção ao STF na portaria, tanto Buzatto como Juliana afirmaram que
não há jurisprudência consolidada nem súmula no tribunal a respeito dos temas
do "marco temporal" e do "esbulho renitente", tese
levantada pelo ministro Teori Zavascki, segundo a qual os indígenas têm que
comprovar que lutaram pelas terras. Indígenas e indigenistas apontam que
diversos grupos indígenas foram expulsos de suas terras tradicionais ao longo do
século passado, antes da Constituição de 1988, e por isso não poderiam ter
lutado fisicamente ou judicialmente pelas terras na data da promulgação da
Carta.
O
Ministério da Justiça foi procurado no final da manhã desta quarta-feira (18),
mas não havia se manifestado até a publicação deste texto.
Fonte/Foto: Rubens Valente –
folha.uol.com.br/Alan Marques - Folhapress
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