ARTIGO: QUEM GANHA COM A ENERGIA DA AMAZÔNIA?
- por Lúcio Flávio Pinto (*)
A
maior linha de transmissão de energia do mundo possui 2.300 quilômetros de
extensão. Vai de Porto Velho, a capital de Rondônia, até Araraquara, no
interior de São Paulo. De um lado, se conecta à terceira e à quarta maiores
hidrelétricas do Brasil. Do outro, ao maior mercado consumidor de energia do
país, que concentra um terço do PIB nacional.
Na
semana passada, foi inaugurada a hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira a 120
quilômetros de Porto Velho. Ela só é menor que Itaipu, no Paraná (que, sendo
binacional, é dividida ao meio com o Paraguai), e Tucuruí, no Pará, a segunda
maior. Em breve, o Pará terá também a maior hidrelétrica inteiramente nacional,
a de Belo Monte.
Com
50 turbinas, Jirau pode gerar 3.750 megawatts, ou em torno de 4% de toda
energia brasileira, que seus construtores dizem ser suficiente para atender 40
milhões de pessoas. A usina, que começou a ser construída em 2009, ao custo de
19 bilhões de reais, passou a gerar energia em 2013. A 50ª e última unidade
geradora começou a operar no dia 23 de novembro deste ano, consolidando a
implantação do projeto, com 20 meses de atraso em relação ao cronograma
original.
Santo
Antônio é a outra grande hidrelétrica em funcionamento no rio Madeira, também
com 50 turbinas do tipo bulbo e potência máxima de 3.568 megawatts, ou 2,218
mil MW médios, o equivalente a quase 4% da carga nacional e ao consumo de 40
milhões de pessoas.
A
se confiar nos números grandiosos (ou superfaturados, o que é comum em grandes
obras da engenharia nacional quando associada ao contratante estatal). Jirau e
Santo Antonio são capazes de suprir 8% da energia do Brasil e 80 milhões de
brasileiros. Um milagre para um Estado que, até pouco tempo atrás, mal
conseguia ter energia para o seu consumo doméstico, atado a uma hidrelétrica
que parece de fundo de quintal quando comparada às duas gigantescas estruturas
de concreto e aço que se levantam do leito do maior afluente do rio Amazonas.
Santo
Antonio foi executada por um consórcio liderado pela Odebrecht, a principal
pagadora de propinas sob a investigação da Operação Lava-Jato. A usina começou
a gerar energia em 2012, antes de Jirau. Leiloada em 2007, foi arrematada por
um preço final de R$ 78,87 o megawatt hora, por um consórcio liderado por
Furnas e composto por Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig e um fundo de
investimentos formado por Banif e Santander – hoje pertencente à Caixa
Econômica.
Com
custo de R$ 20 bilhões, Santo Antônio quase faliu, em função de atrasos no
licenciamento ambiental, greves, problemas com o rendimento de suas turbinas e
a seca, fatores que resultaram em um prejuízo de R$ 5,6 bilhões para a
concessionária, seguindo o cálculo da própria empresa, que reivindica o
ressarcimento desses custos à Agência Nacional de Energia Elétrica e na
justiça.
O
presidente do conselho da Energia Sustentável do Brasil, Maurício Bähr,
responsável por Jirau, disse na inauguração que o principal motivo do atraso na
construção foram “os atos de vandalismo que nós tivemos aqui no canteiro de
obras, em 2011, 2012, que acabaram gerando um desalojamento de funcionários. Os
alojamentos foram incendiados e, com isso, perdemos 10 mil trabalhadores
naquela época, Isso gerou um atraso por força maior, que acabamos compensando
depois nos últimos dois anos e hoje já estamos gerando em plena capacidade”.
No
pique da construção, o canteiro de obras teve quase 26 mil trabalhadores e
chegou a gerar aproximadamente 60 mil empregos diretos e indiretos. Nessa época
aconteceram manifestações de trabalhadores por benefícios como melhores
condições de trabalhos e reajuste salarial.
Em
março de 2011, a concessionária da obra foi surpreendida com um motim entre os
trabalhadores em protesto contra as condições de trabalho e segurança. Quase 50
ônibus que faziam o transporte dos funcionários e 35 alojamentos foram
queimados ou destruídos. Outras 30 instalações da usina foram danificadas. O
inquérito instaurado pela polícia civil concluiu que houve ação de vândalos no
canteiro.
As
obras foram suspensas novamente em abril de 2012, depois que um grupo incendiou
39 dos 53 alojamentos em uma área. Na época, 120 homens da Força Nacional foram
deslocados para Rondônia com a missão de combater a rebelião.
Em
agosto desse ano, o Ministério Público Federal de Rondônia requereu, na justiça
federal, o cancelamento da licença de operação de Jirau. O pedido foi negado.
Agora
Rondônia, com Jirau e também a hidrelétrica de Santo Antônio, também no rio
Madeira e com potência apenas um pouco inferior, abastece de energia o Acre e
as regiões Sul e Sudeste. Da solenidade inauguração participaram os
embaixadores da Bélgica e França, que têm empresas integrantes da
concessionária de energia e do financiamento da obra – e muito interesse na
energia abundante e, em tese, mais barata. Para quem vai recebê-la. Não é,
seguramente, o nativo da província energética amazônica.
(*) Lúcio Flávio Pinto
é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das
principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em
O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal
Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário