AMAZÔNIA: CERCADA POR HIDRELÉTRICAS, RESERVA TAPAJÓS-ARAPIUNS AINDA REIVINDICA ENERGIA
Mesmo cercada por hidrelétricas, a reserva extrativista ainda não
conta com energia. A luz chega às comunidades por meio de geradores a diesel,
mantidos pelas associações locais
O
sol se põe e as comunidades da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns,
no Pará, também anoitecem. As luzes começam a aparecer às 19h, quando os
geradores são acionados. O programa noturno preferido das comunidades é
assistir a novelas e notícias pela televisão. A diversão, entretanto, tem hora
para acabar e às 22h30 já não se ouve mais o som vindo das telas.
Mesmo
cercada por hidrelétricas, a reserva extrativista na Amazônia ainda não conta
com energia. A luz chega às comunidades por meio de geradores a diesel,
mantidos pelas associações locais a partir da contribuição dos moradores que
pagam, em média, R$ 30 por mês. A mensalidade garante também o acesso à água
que, geralmente, vem de poços artesianos. Em algumas comunidades a água chega
encanada.
Foi
pela TV que Dilma Luzia Cardoso dos Anjos, 59 anos, liderança da comunidade
Braço Grande, ficou sabendo que sua xará mais famosa, Dilma Rousseff, não
ocupava mais a Presidência da República. "Chegou para cá a notícia, foi
uma surpresa para o povo", diz.
Para
José Rosário Fonseca, o Tugurrilho, 70 anos, da comunidade São Pedro, a maior
expectativa em relação à eletricidade é ter água gelada para beber. Para tentar
garantir isso, ele paga pelo uso de um gerador do bar vizinho a sua casa onde a
energia fica disponível por um tempo maior, das 16h às 23h. "Mal dá para
esfriar um pouco a água, chega no outro dia já está quente de novo",
lamenta.
Mais direitos
A
garantia de energia ininterrupta é uma demanda das comunidades e seria útil em
diversas áreas, em especial, a de saúde. Remédios como soro antiofídico (usado
em casos de picada de cobra) e insulina (para pacientes com diabetes) poderiam
ser acondicionados em postos de saúde o que evitaria os constantes
deslocamentos para Santarém, cidade mais próxima da Resex.
"Recentemente
houve um acidente, um rapaz foi picado por uma cobra venenosa, surucucu. Nesse
dia, eu estava em Santarém. O técnico de enfermagem me ligou, mas não consegui
retornar. Outra enfermeira teve que entrar em contato com a ambulancha, em São
Pedro, mas ela não estava em condições de transportar o paciente. Tivemos que
usar a lancha
da
escola para transportá-lo para Santarém", conta a enfermeira Marcela
Amaral, 32 anos, da comunidade de Mentai, uma das poucas que tem um posto de
saúde.
A
energia também facilitaria a vida de Ivaldo Cruz Basílio, 43 anos, liderança da
comunidade de Surucuá, que trabalha com a confecção de móveis a partir de
madeiras caídas que recolhe da floresta. Para usar máquinas de serrar e polir
madeira, ele precisa de eletricidade e só pode fazer algumas atividades quando
o gerador da comunidade está ligado. "A energia limitada dificulta o meu
trabalho. Se tivesse energia com mais potência, a gente tinha a capacidade de
fazer mais móveis com mais qualidade", diz o presidente da cooperativa de
Oficinas Caboclas.
O
presidente da Associação Comunitária de Vila Franca, Raimundo Guimarães Gamboa,
58 anos, lamenta que a proximidade de grandes complexos de geração de energia
não se reflita em benefício para as comunidades. "Nesta parte da Amazônia
onde nós vivemos, principalmente nos dois estados, Pará e Amazonas, estamos
cercados de hidrelétricas e ainda continuamos usando lamparina a base de
querosene para iluminar as casas", diz Gamboa.
Próxima
à Resex estão duas grandes usinas hidrelétricas, a de Tucuruí e a de Belo
Monte.
Energia solar
A
tentativa de levar eletricidade às comunidades por meio da energia solar é
antiga. Na comunidade de Suruacá, o presidente da associação local, Miguel
Lúcio Sousa Lima, 49 anos, diz que já foi feito um levantamento de quantas
placas seriam necessárias para fornecer luz para as 127 famílias.
"Buscamos parcerias com empresas privadas, mas não conseguimos o apoio de
ninguém porque é muita placa", conta. Atualmente, a comunidade conta com 20
placas solares que atendem apenas ao telecentro e à escola.
Procurada,
a Centrais Elétricas do Pará (Celpa) disse em nota que está com a demanda da
localidade cadastrada em seu banco de dados. “No entanto, as obras da região
ainda não foram priorizadas pelo Comitê Gestor Estadual", completa o
documento. Cabe ao comitê definir as prioridades do programa federal Luz para
Todos. "Cabe a Celpa apenas a execução das obras já priorizadas",
acrescenta.
O
Programa Luz para Todos foi lançado pelo Ministério de Minas e Energia em
novembro de 2003. É operacionalizado pela Eletrobras e realizado em parceria
com as concessionárias de energia de todo o país, que recebem metas definidas
para serem cumpridas anualmente.
Em
nota, o ministério afirma que estuda a situação da Resex Tapajós-Arapiuns e faz
o levantamento de dados para definir a melhor forma e a viabilidade de
atendimento. "No Pará, o atendimento será executado pela Celpa, dentro das
normas do Programa Luz para Todos até o ano de 2018 e continuará no seu plano
de Universalização com data a ser definida pela Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel)", diz em nota.
Quanto
a outras reservas da região, o ministério diz que as obras em Verde Para
Sempre, Rio Xingu, Riozinho do Anfrísio e Rio Iriri, todas no Pará, estão em
fase de projeto de obras e definição sobre a forma de atendimento – rede de
energia convencional, miniusina fotovoltaica, ou sistema fotovoltaico
individual.
Dessas,
a Resex Verde Para Sempre é a única que já tem previsão de início das obras: 1º
semestre de 2017.
Iniciativa que deu certo
Próxima
à Resex, na comunidade Cachoeira do Aruã, a energia já é realidade para parte
da comunidade de forma ininterrupta. Como o nome diz, Cachoeira do Aruã abriga
uma das poucas quedas d´água em pleno Rio Arapiuns. E foi com a força dessas
águas que dois moradores conseguiram fazer funcionar um gerador que fornece eletricidade
para a comunidade.
Apesar
de ter nascido na comunidade, Maria Ivacilda Fonseca Soares, 69 anos, se mudou para Santarém ainda pequena e só
voltou para reserva há pouco mais de dez anos quando o marido, José Maria Cosmo
Soares, foi trabalhar na escola local. Durante dois anos, José Maria trabalhou
junto com a comunidade para construir uma roda de madeira e conseguir gerar
energia para a escola, para a própria casa e a igreja.
Maria
Ivacilda conta que, quando se mudou novamente para Cachoeira do Aruã, tinha a
expectativa de ainda contar com os confortos da cidade. "Começamos a
gastar dinheiro próprio, compramos gerador. Algumas vezes íamos na sucataria
para comprar mais barato, outras vezes, pedíamos doação dos parentes de
Santarém."
Não
demorou muito e ela entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia
pedindo ajuda para ampliar o fornecimento de energia. Com a ajuda de
organizações não governamentais, ela conseguiu ampliar a rede para o restante
da comunidade.
Fonte/Foto: Mariana Tokarnia – Agência
Brasil
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