Ele critica governo
federal por não viabilizar o plano de desenvolvimento
“Hoje tem grupos humanos
que passam fome no Marajó”, diz o bispo emérito da Prelazia do Marajó, Dom José
Luís Azcona. Há três décadas atuando em defesa daquela população, ele afirma
não se lembrar, em seus primeiros anos lá, o povo marajoara se queixando de
fome. . “Hoje, tem grupos de crianças em Portel, que as irmãs têm que sair a
pedir comida para que não passem fome. E há outras muitas”, acrescenta. No dia
12 de setembro, ele se reuniu com representantes do Fundo de População das
Nações Unidas (UNFPA) e da agência de desenvolvimento Pro-Natura. Na ocasião,
voltou a criticar o governo federal por não tirar do papel o plano de
desenvolvimento. Nas próximas duas páginas, a entrevista ao repórter Dilson
Pimentel.
A gente percebeu que são
grupos de boa vontade em ajudar o Marajó, mas que não conhecem a região. Um
desconhecimento sério do Marajó. E é lógico. Para quem não vive durante anos no
Marajó é difícil captar a identidade, as características do povo. E foi nessa
reunião que surgiu essa afirmação minha. O plano de desenvolvimento humano e
sustentável do Marajó, de 2006 e 2007, ficou encalhado. Um plano que, no meio
de seus limites, poderia ter sido um divisor. Aquilo está enterrado. Porém,
alguns grupos marajoaras querem desenterrar. Passaram-se dez anos. Mas
qualitativamente é bem diferenciado para o próprio Marajó, que tem sofrido
transformações importantes, a maior parte delas para o mal. Portanto, esse
plano, mesmo que fosse ressuscitado, não daria nas finalidades que hoje deve
ter um plano de desenvolvimento humano sério e sustentável para o Marajó. Eu
coloquei na reunião que, em Breves, por ocasião da visita do cardeal Hummes
(Dom Frei Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo), em fevereiro deste
ano, dois vereadores disseram na Câmara: ‘eu não sou paraense, eu sou marajoara.
Marajó não tem nada a ver com o Pará’. São afirmações fortes, mas que
manifestam uma realidade que está aí, diante da qual o silêncio, a omissão, o
descaso e a condição de descartáveis nos acompanham durante decênios, talvez
séculos, como marajoaras.
O bispo emérito da
prelazia do Marajó, Dom José Luiz Azcona, defende que o Marajó seja
transformado em território federal, porque avalia ser impossível pensar uma
transformação marajoara sem um Plano de Desenvolvimento forte, abrangente e com
aspectos particulares. “Tem que ser pensado em um conjunto global como é o
Marajó, com suas diferenças, mas também com sua unidade e sua unicidade. Marajó
território federal é a única solução viável, efetiva e objetiva ao descaso, ao
abandono, tanto do governo estadual quanto central, da União, a um povo que
atualmente conta com 570 mil habitantes e que foi sempre abandonado. E ainda
não recebeu esse apoio necessário para viver dignamente como um povo
brasileiro”, defende o religioso nesta entrevista.
Não existe uma consciência
de que realmente o Marajó pertença, de fato, política, econômica e socialmente
ao Pará. Não é interessante aos grupos de poder que orientam e governam na
sociedade paraense contar com um Marajó livre. Um Marajó livre, a partir da
liberdade econômica, porque quem não tem liberdade econômica tampouco vai ter
normalmente uma liberdade política associada. Portanto, libertar um povo de
maneira que pense pela conta dele é o que nossas autoridades nunca quiseram.
Existe um pacto do silêncio, do abandono, um pacto de não querer saber porque
Marajó, pela sua parte, nunca se levantou, digamos, de modo unido, uniforme,
para decidir aquilo que lhe corresponde. Somente nos últimos anos é que existem
esses movimentos, a partir da Amam (Associação dos Municípios do Arquipélago do
Marajó) e da própria sociedade civil, que querem autonomia dentro da unidade
nacional e da unidade de sermos também paraenses. Chegou o momento, pois, de
romper com tudo aquilo que está propiciando uma situação de abandono, de
passividade, de morte e ressurgir, de uma vez, para a liberdade, para sermos,
de verdade, povo brasileiro. Porque, se lermos os cinco primeiros artigos da
Constituição brasileira, que são pétreos e fundamentais para a constituição de
uma nação, sobre aquilo que é ser brasileiro, nenhum deles é aplicado à
realidade marajoara. Portanto, constitucionalmente, não somos parte do Brasil.
Não tem trabalho, não tem dignidade humana, não se defende os direitos da
liberdade, não se defende a educação, tem analfabetismo. Em Melgaço, metade da
população adulta é analfabeta. Nessa situação, não somos brasileiros.
De modo positivo se
trataria de chamar a atenção sobre os quatro elementos que podem configurar uma
reviravolta completa em toda a história do Marajó. Entendendo essa virada de
modo integrado, tendo em conta os elementos culturais, econômicos, sociais e históricos
do Marajó, que seriam o peixe, o açaí, a farinha e o turismo. Em relação ao
monopólio, há tendências para monoplizar a comercialização do açaí. Grupos, por
exemplo, que vem de longe para operar açaí no Marajó. Muitos barcos chegam no
interior de Anajás, um dos municípios produtores de açaí, talvez o maior
produtor de todo o Marajó. Está se notando uma concentração da comercialização
do produto do açaí em torno de alguns grupos que, aos poucos, vão tomando
espaço e controle do açaí - portanto, do preço do açaí. Um açaí que, fora da
safra, custa 24 reais o litro é um açaí que o povo não pode se alimentar,
quando historicamente, e durante séculos, o que alimentou foi o açaí e a
farinha, esta com preços exorbitantes, que, no mercado, quando os monopólios
assumam esse controle, vai ser o final dos pobres do Marajó. Portanto, precisa
o governo acordar e ajudar a população. Organizar no estudo, na produção, na
comercialização, na venda e na exportação do açaí. Um Estado que seja imune às
tentações da agressividade capitalista. Mas o Estado não está investindo
absolutamente nada.
É muito difícil falar se
aumentou, se se agravou, porque precisaríamos de estudos estatísticos que
ninguém possui. Ninguém. Pelo que podemos observar, tem se dado uma tomada de
consciência bem clara na maior parte da população deste fenônemo desumano,
brutal, sem nome que é a exploração sexual de menores. Fenômeno que, por outra parte,
não é exclusivo do Marajó. Quando teve em 2010, 2011 a CPI no Pará (que
investigou o abuso sexual contra crianças e adolescentes), vimos que todo o
Pará estava maltratado por essa realidade tenebrosa. E tudo isso cria, pois, um
despertar, um acordar de maneira que tem até crianças que têm coragem de
denunciar, coisa que antes ou porque não sabiam ou porque estavam amedrontadas
não conseguiam. E tem também cidadãos que estão enfrentando essa realidade e
outros cidadãos que são criminosos se cuidando. Eu creio que não tem mudado
muita coisa. Continua porque, entre outras razões, a impunidade é evidente.
Agora está para sair, por parte da Justiça do Trabalho (da 8ª Região), uma
decisão sobre balsas e vai ser uma decisão forte, que vai poder mudar pelo menos
o lado da repressão que é importantíssimo também para que os transgressores e
os criminosos não retornarem a essa criminalidade.
Fonte/Foto: Redação ORM News/Tarso Sarraf
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