O QUE JUSTIFICA A PRISÃO DE UM JOVEM INDÍGENA POR LUTAR POR DIREITOS?


Poró Borari com o ex-presidente da Funai João Pedro

- por Gilberto Rodrigues (*)

Esta noite foi a primeira vez que a jovem liderança indígena do povo Borari da Terra Indígena Maró passou na prisão.
Poró Borari, assim como é conhecido, estava reunido com outros indígenas do Baixo Tapajós em um ato público pelo direito à saúde indígena diferenciada.
Policiais Federais, supostamente chamados pela coordenação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), foram até o local e o levaram até a sede da Polícia Federal em Santarém, para procedimentos.
De lá, foi algemado e levado para o presídio do Cucurunã, onde passou a noite. Espera-se que nada ocorra com ele e que seja concedido habeas corpus o mais rápido possível.
O ato público dos indígenas tem conexão com a luta travada com o Estado sobre o reconhecimento étnico dos indígenas da região de Santarém.
Ocorre que a Sesai em Santarém atende apenas os povos Zoé’s, Wai-Wai e Munduruku do Alto Tapajós. Ela não estaria autorizada a prestar atendimento a outros povos da região.
A alegação gira em torno da tese de que o Estado brasileiro ainda não reconheceu oficialmente os povos do Baixo Tapajós como indígenas e, portanto, não teriam assegurados seus direitos no campo da saúde, apesar de haver na região três terras indígenas reconhecidas pela Funai.
Dentre os direitos, está o do atendimento diferenciado à saúde. A Sesai é o órgão federal que cuida desse atendimento e, por isso, os indígenas foram manifestar em suas ocupações. Querem que o direito de autorreconhecimento assegurado em lei valha como critério em relação à saúde.
Ou seja, que a Sesai assista a todos os indígenas autorreconhecidos, e não apenas os Zoé’s, Wai-Wai e Munduruku.
Por outro lado, dois casos de doenças em idosas pertencentes aos povos do Baixo Tapajós, ocorridos recentemente, contribuíram para o descontentamento. Parentes relatam que as idosas receberam atendimento inadequado nos hospitais públicos de Santarém. A indignação contribuiu para compor a manifestação junto à Sesai que culminou com a prisão de Poró Borari pela Polícia Federal, que tem a função policial exclusiva de cuidar dos indígenas.
Nesse contexto, se o Estado brasileiro já demarcou as terras desses indígenas e já homologou a identificação através de publicação no Diário Oficial da União, por que a Sesai não pode prestar atendimento a eles?
Dessa questão decorre indagar: quais os critérios que a Sesai usa para selecionar os indígenas que podem e os que não podem receber sua assistência? Estariam esses critérios adequados? Quais os procedimentos oficiais para incluir indígenas dentre seus assistidos pela Sesai? Quais serviços a Sesai pode oferecer? Por que a Sesai resiste em ampliar o atendimento?
São questões que deveriam ser pensadas e discutidas abertamente. Não seria mais produtivo se, ao invés de prender, os órgãos oficiais estabelecessem o diálogo com as lideranças indígenas? Tendo em vista o que afirmou o representante da Sesai em entrevista ao Jornal Tapajós (TV Tapajós- edição das 12h de 10/08/2016), que a secretaria tem interesse em regularizar a situação, mas fica impossibilitada por travas do governo federal, não seria mais interessante ela oferecer-se ao diálogo para poder assistir aos indígenas do Baixo Tapajós?
Ocorre que, não abrindo-se ao diálogo e não ampliando o atendimento a demais indígenas, é inevitável questionar se assim procedendo a Sesai estaria replicando a concepção de que há níveis de identificação indígena. Como se houvessem aqueles que são mais indígenas e aqueles que são menos e se recusando, portanto, a assistir outros que não sejam Zoé’s, Munduruku ou Wai-Wai.
Obviamente não se trata de excluir esses povos, mas de incluir os indígenas do Baixo Tapajós dentre os assistidos pela Sesai de Santarém.
Diante desse quadro, é de se questionar sobre a necessidade de prender jovens que estão reivindicando seus direitos e considerar o papel que essas prisões possuem na tese da intensificação da criminalização dos movimentos sociais, decorrente do neoliberalismo e do consequente refluxo das conquistas sociais.

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* Gilberto Rodrigues (*) é professor da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).

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