ARTIGO: A ESTRATÉGIA PERVERSA DA INDÚSTRIA DO TABACO
- por Cristina Perez
No
ano 2000, lei federal proibiu a propaganda dos cigarros nos grandes meios de
comunicação, como TVs, jornais e rádios. Em 2011, outra legislação apertou
ainda mais o cerco: anúncios nos pontos de venda foram vetados. A indústria do
tabaco, porém, reagiu. E da forma mais perversa possível: atraindo jovens e
crianças para o tabagismo com a estratégia de expor seus produtos em meio a
doces e chocolates nos pontos de venda, além de utilizar embalagens coloridas e
atraentes.
No
Brasil, a imensa maioria dos fumantes (80%) dá sua primeira tragada antes dos
18 anos de idade. Em média, no mundo, é aos 15 que acontece o primeiro contato
com o cigarro – produto que mata dois a cada três de seus usuários. Para
entender como a indústria tabagista busca driblar a proibição da propaganda, a
Fundação do Câncer e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) realizaram a
Pesquisa Pontos de Venda de Produtos Derivados do Tabaco: Estratégias de
Marketing.
A
técnica de investigação adotada foi a de cliente oculto. Durante dois meses,
junho e julho de 2015, visitamos 54 pontos de venda de cigarros. Eram bancas,
padarias, lojas de conveniência de postos de gasolina e bares nas cidades de
Rio de Janeiro e Teresópolis, no Estado do Rio de Janeiro; São Paulo e Embú das
Artes, em São Paulo; e Porto Alegre e Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.
As conclusões foram estarrecedoras.
Como
se não bastasse estarem posicionados perto de balas, chicletes e outros
produtos com apelo infantil, os maços de cigarros também são encontrados
frequentemente juntos aos caixas, por onde todo o público é obrigado a passar.
Além disso, em muitas ocasiões são organizados em mosaicos coloridos nos
displays, simulando grandes painéis. Isso sem falar em paredes inteiras
revestidas com material especial, repetindo as cores da embalagem do produto
exposto, e a iluminação forte nas ‘vitrines’.
Portanto,
com a proibição da propaganda de produtos de tabaco nos pontos de venda, a
indústria passou a investir pesadamente nestas artimanhas para continuar
atraindo novos consumidores. As advertências de malefícios à saúde ocupam uma
face dos maços, mas a outra continua sendo cada vez mais trabalhada para chamar
a atenção e, principalmente, passar a impressão de que aquele produto não é
nocivo.
Tramitam
no Congresso Nacional três projetos de lei que determinam a padronização das
embalagens de produtos de tabaco. Todas deverão se apresentar numa cor padrão,
sem desenhos ou quaisquer outros artifícios gráficos e possuir o mesmo tipo de
letra. Legislações neste sentido já foram adotadas na Austrália. França, Reino
Unido e Canadá deverão seguir o mesmo caminho.
Acreditamos
que a medida se faz necessária com urgência no Brasil, para dizer o mínimo. Não
é possível que um produto que causa dependência, doença e morte, e que ainda por
cima tem autorização para ser comercializado de forma legal, possa continuar
direcionando seus esforços livremente a crianças e adolescentes. Afinal,
trata-se de um público cujas escolhas sofrem grande interferência de
estratégias de propaganda como as da indústria do tabaco, que travestem de
inofensivos comportamentos de risco, como fumar.
- Cristina Perez
é psicóloga, consultora técnica da Fundação do Câncer
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