OS PASSOS DA SEMANA SANTA
1. No tempo que passa, vamos construindo nosso
semblante eterno. Desde a nossa juventude aprendemos a contemplar a adorável
figura de Cristo. Ele foi ocupando lugar central em nossas existências. Alguns
de nós, mesmo tendo sido batizados quase como recém-nascidos, na adolescência,
na juventude, ou na idade madura, numa das encruzilhadas da vida, fomos
seduzidos por Cristo. Tivemos dele um conhecimento experiencial. Ele deixou de
ser uma figura do passado e se tornou palpavelmente para nós quem ele é: Senhor
vivo e ressuscitado, sentido de nossas vidas. Naquele momento tínhamos vontade
de dizer como Paulo que passamos a ter como lixo tudo o que não for Cristo
Jesus. Durante os dias da Semana Santa somos convidados a contemplar os passos
daquele que nos tocou o coração. Na solene liturgia celebramos o mistério de
sua passagem, da páscoa de Cristo, da morte para a vida. Não se trata de um
teatro, de uma encenação, de um drama que assistimos como espectadores, mas da
atualização nos gestos da Sagrada Liturgia, do mistério pascal. Quando
celebramos os dias da Semana Santa e, mais especialmente, o Tríduo Pascal é
nossa história que é revivida. Morremos a nós mesmos e ressuscitamos com Cristo
Jesus. Somos, com ele, criatura nova. É a Páscoa do Senhor, mas é também a
nossa Páscoa.
2. Tudo começa no domingo das palmas. Jesus
entra em Jerusalém, montado num burrico, acolhido com ramos de oliveiras,
ovacionado como rei. Um rei montado num burrico, depois um rei com uma coroa de
espinhos, depois um rei sentado no trono da cruz, depois, finalmente, nosso
rei, rei de nossos corações, rei ressuscitado, nosso Senhor “Acompanhemos o
Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão e imitemos os que foram ao
seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveira
ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos aos seus pés, com
humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se
aproxima e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter” (…) Portanto, em
vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por
pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo.
Revestidos de sua graça, ou melhor, revestidos dele próprio, – vós todos que
fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo(Gl 3,27)- prostremo-nos a
seus pés como mantos estendidos” (Santo André de Creta, Of. Das Leituras do
Domingo de Ramos).
3. No Domingo das Palmas, além ouvir o relato
da Paixão somos levados a contemplar o servo sofredor do Profeta Isaías. Jesus
vai iniciar sua dolorida Paixão. Ele é a concretização do servo sofredor sem
beleza, nem formosura, aquele do qual se arranca a barba, que se tornaria uma
só chaga para que em suas chagas fôssemos salvos. Quando participamos com
atenção da Liturgia do Domingo de Ramos damo-nos conta que começou o drama.
Paulo nos lembra que ele, de condição divina, tornou-se servo, obediente,
obediente até a morte e morte de Cruz. Trata-se da kénosis, do abaixamento. Os
discípulos de Jesus não podem querer palmilhar outro caminho. Eles salvarão o
mundo com Cristo se tiverem a coragem de servir, no abaixamento… Uma Igreja que
não vai ao fundo do poço como seu Chefe é uma Igreja sem o brilho que devia
ter.
4. Na quinta-feira santa, de manhã, o Bispo
reúne o seu clero e o povo fiel para a Missa do Crisma. Momento importante da
vida da Igreja. O Pastor está junto de seus colaboradores, os sacerdotes, os
padres. O pastor com os pastores. Nesta manhã são abençoados os óleos para os
batizados, para o sacramento da crisma e para a unção dos enfermos, sacramentos
da vida, da vida que Cristo nos alcançou com sua paixão, morte e ressurreição.
Nesta missa da manhã os sacerdotes renovam seus compromissos, manifestam o
desejo de seguirem as orientações do Pastor e viver alegremente seu compromisso
celibatário para o bem dos fiéis. Maravilhoso ver um clero idealista, unido ao
Bispo e junto do Povo santo de Deus! Ao cair da tarde, os fiéis se reúnem para
a Ceia do Senhor. A Igreja prescreve alegria para esse dia: toalhas bonitas, paramentos
brancos, flores, hino do Glória, alegria profunda. O Mestre dos olhos do
infinito reúne os seus para a ceia do adeus. Antes há um gesto que desconcerta.
Ele depõe o manto e, colocando uma toalha à cintura, lava os pés dos seus.
Pedro resiste. Não quer aceitar. Mas o Mestre insiste. Só permitindo tal gesto
Pedro poderá ter parte com Cristo. O Lavapés é quase um sacramental. As
cerimônias desta tarde se passarão com solenidade, mas também despojamento.
Dispensam-se muitos comentários. Os gestos falam mais do que as palavras.
Jesus, na verdade, faria o verdadeiro lavapés no alto da cruz. O sangue do
Salvador lavaria não nossos pés, mas haveria de nos purificar por inteiro, por
dentro, lá no fundo de nosso ser gente. Depois de lavar os pés, o Mestre retoma
o manto e dá seu corpo e seu sangue. Corpo que é dado e sangue que é vertido.
Festa do dom, do amor, festa antecipada. Somente no dia seguinte ele haveria de
dar, efetivamente tudo, até a última gota de sangue. Veneramos com respeito
imenso esse pão que dá vida e esse sangue que alimenta. Nossas missas não são
espetáculos. Elas, na singeleza dos gestos, trazem para o hoje do mundo o corpo
que é dado e o sangue que é vertido. Francisco tinha um carinho todo especial
pela Eucaristia. “Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em
todas as vossas igreja que estão pelo mundo inteiro e vos bendizemos porque
pela vossa santa cruz remistes o mundo”.
5. A propósito do lavapés: “Pedro falou com
bastante rudeza. Julgava bem, mas ignorando o modo como Deus age, foi por
espírito de fé que recusou, mas, em seguida, obedeceu de bom coração. Na
verdade é assim que o fiel cristão deve se comportar; não deve se obstinar em
suas decisões, mas ceder à vontade de Deus. Pois se Pedro exprimiu sua opinião
de maneira tão humana, arrependeu-se por amor a Deus” (Das homilias de
Severiano de Gábala).
6. Temos todos um carinho extraordinário para
com a Eucaristia. Desde a nossa infância aprendemos a olhar com adoração o
sacrário e a experimentar paz imensa, na hora da comunhão, quando dizemos que
não somos dignos de que o Senhor entre em nossa morada. Importante que saibamos
valorizar o domingo, dia da Ceia do Senhor, dia de missa, dia em que a família
vai ter com o Mestre. Queremos entrar em comunhão de destino com Cristo.
Desejamos ardentemente comer esta ceia que nos revigora e nos robustece. Todas
as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice anunciamos, Senhor, a
vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição, diz a liturgia. Pão, vinho,
vida, história, doação, entrega, caridade, sacramento da caridade.
7. Terminada a reunião com os apóstolos,
colocados os gestos e ditas as palavras que seriam repetidas depois, através
dos tempos, para fazerem a memória do Mestre, Jesus experimentou aperto no
coração e foi rezar no Jardim das Oliveiras. As veias e artérias do Senhor se
estreitaram. Ele sua sangue. Pede que o Pai afaste o cálice…. os apóstolos
dormem…e Jesus se entrega ao Pai, que nele se faça a vontade do Pai…O Mestre é
traído, julgado, mal julgado, rapidamente julgado. E condenado. As coisas se
aceleram. A véspera da grande festa pedia que tudo se consumasse antes do por
do sol. Não havia tempo. Esse que carrega a cruz, esse que está sentado no
trono da cruz, esse que não consegue enxergar porque seus olhos estão cheios de
sangue, de escarro e de poeira lá está feito o mais vil de todos os homens.
Tudo isso aconteceu para pudéssemos abandonar as trevas e ser alçados à luz.
Temos vontade de gritar com Francisco: “O amor não é amado, o amor não é
amado…” Ficamos sempre impressionados com a figura de Maria, ao pé da cruz, a
Pietà, a Senhora das Dores, aquela que, naquele momento, compreendera a palavra
do velho Simeão: “uma espada de dor atravessará teu coração…”. E, depois de
algumas horas de sofrimento e abandono, de silêncio e de total prostração,
inclinando a cabeça, ele morre para a vida do mundo.
8. “Queres compreender mais profundamente o
poder esse sangue? Repara onde começou a correr e de que fonte brotou? Começou
a brotar da própria cruz e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já
morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista,um soldado aproximou-se,
feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água como
símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado,
traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando
um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim
aconteceu com esse cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro, e eu recebi o fruto
do sacrifício.”(São João Crisóstomo). Diante da cruz temos vontade de repetir
com a Liturgia: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”.
9. O sábado santo é dia de silêncio. Os
antigos escritores sagrados afirmam que o rei dormia ele foi até o Hades, aos
abismos para buscar Adão e tirá-lo das trevas. Sábado santo, dia de recolhimento
e de meditação, dia de silêncio. “Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio
reina sobre a terra. Um grane silêncio e uma grande solidão. Grande silêncio,
porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o
Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na
carne e despertou a mansão dos mortos. Vai antes à procura de Adão, nosso
primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados
nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva
cativos, agora libertos dos sofrimentos” (De uma Homilia antiga do grande
sábado).
10. A Igreja se enfeita de luzes e harmonias na
vigília da ressurreição. Fora do templo, prepara-se a fogueira. O círio é
aceso, ele penetra no templo, espanca as trevas, acaba-se o combate entre a
escuridão e a claridade. A luz saiu vitoriosa. Jesus vive. É O Senhor.
Ressuscitou. Exulte a Igreja inteira por uma tão bela noite. Para trás o
deserto, o Mar Vermelho, o tempo do maná e das codornizes, das panelas do Egito
e das incertezas durante a travessia rumo à Terra Prometida. Chegamos ao
Coração do Senhor, nossa Terra Prometida, ressuscitado, vivo. Tomamos posse da
verdadeira Terra Prometida. Para sempre o Senhor nos tirou das trevas e da
morte e passamos a ser luz e vida. Noite santa da Vigília, noite dos batismos,
noite da renovação de nossos compromissos cristãos, noite da água e da luz, do
aleluia e do júbilo. “Nesta solenidade à sombra da árvore da fé brilha o
esplendor dos círios com o fulgor que irradia da pura fonte batismal. Nesta
solenidade, desce do céu o dom da graça que santifica os recém-nascidos e o
sacramento espiritual do admirável mistério que os alimenta. Nessa solenidade a
assembléia dos fiéis, alimentada no regaço materno, adorando a Unidade da
natureza divina e o nome da Trindade, canta com o Profeta o salmo da grande
festa anual: Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele
exultemos”(Sl 117, 24).
Concluindo
Ela, a
mulher de Magdala, tinha se levantado muito cedo, cedo demais. Não tinha
dormido. Queria levar ungüentos para o corpo do seu Senhor. E, de repente, ele
não estava lá. Haviam roubado o Corpo de seu Senhor. Ela corre, indaga,
pergunta, questiona. Não suporta mais. Haviam matado seu Amor e agora roubado
seu Corpo. E depois das inquirições Maria ouve o Mestre, sob a aparência de um
Jardineiro. “Maria” . “Mestre… meu Mestre”. Aquele que havia cativado o coração
de Maria vivia. A vida tem sentido. Cristo, nossa esperança vive no meio de
nós. Aleluia!
Fonte/Foto: alvoradaparintins.com.br
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