'FANATISMO É EMPOBRECEDOR', DIZ JORNALISTA DO PARÁ AMEAÇADO DE MORTE, EM ENTREVISTA AO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO
Políticos, empresários,
madeireiros, grileiros e narcotraficantes. A lista dos que enxergam o
jornalista Lúcio Flávio Pinto, 66, e seu "Jornal Pessoal" como
oposição —ou até como inimigo— é longa e bem variada.
Criador do quinzenário
sobre a região amazônica, que circula desde 1987 em Belém (PA), Pinto é o único
jornalista brasileiro na lista dos profissionais mais importantes do mundo da
ONG Repórteres Sem Fronteiras e coleciona prêmios internacionais.
Dos 33 processos que
sofreu no Brasil pós-ditadura, 19 foram movidos pelos donos do grupo de
comunicação O Liberal, para o qual já trabalhou. "Tive de me tornar meu
próprio advogado. Queriam extinguir o 'Jornal Pessoal' por meio da minha
exaustão", afirma.
Leia trechos da
entrevista.
*
Folha – Qual
é a importância do jornalismo profissional?
Lúcio Flávio Pinto – Nada resiste a uma boa investigação. Não existe mistério. Se há um
fato, você chega a ele. É uma competência.
Por que criou
o "Jornal Pessoal?"
Criei o jornal sozinho
porque não podia pagar ninguém. Decepcionado com a grande imprensa, criei uma
linha editorial que torna meu jornal único: não aceita publicidade.
Como ele se
financia?
Com assinaturas e venda.
Se o leitor não comprar, acaba. É quinzenal e custa R$ 5, ou seja, é mais caro
que os outros jornais. É quase artesanal. Não tem fotos, não tem cor. O jornal
é denso e publica coisas que outros não publicam.
Dê um
exemplo.
A maior empresa privada do
Brasil é a Vale. Ela tem 30 clientes. Por que anuncia como uma varejista? Para
conseguir, no mínimo, a simpatia da imprensa. Em 2005, a Vale foi a empresa que
mais distribuiu dividendos no mundo. Ninguém deu isso. Estava no balanço da
empresa. Era preciso saber ler um balanço. Fiz a primeira série de reportagens
sobre a chegada do narcotráfico internacional ao Pará. Fui o primeiro
jornalista que registrou a penetração da China na Amazônia, em 2001.
Essas
reportagens não saem em outros lugares por falta de profissionais qualificados
ou de compromisso dos veículos?
Há três coisas. Primeiro,
a ideia de que a região amazônica é exótica e deve ser tratada como tal.
Segundo, o comprometimento dos veículos de Belém, que nunca publicam nada sobre
a Vale, por exemplo. Em terceiro lugar está a covardia do jornalista. Há um
abastardamento da profissão.
A partir do momento em que
o jornalista, que era empregado, passa a ser empresário, ele pensa dez vezes
antes de pôr em risco a relação entre sua empresa e a empresa jornalística que
o contrata. O compromisso passa a ser com essa relação.
A mídia dita
alternativa cunhou a sigla PIG, Partido da Imprensa Golpista. Por que discorda
do termo e de seu uso?
Primeiro porque leio a
grande imprensa e porque as informações mais importantes estão ali, e não na
internet, no Twitter e nos blogs.
Uma coisa que os donos de
jornal aprenderam é que não vale a pena participar de conspirações, porque elas
liquidam com a credibilidade da empresa. É algo que eu investigo: tem dono de
empresa jornalística articulado? Não tem.
Agora, eles não gostam do
Lula, não gostam da Dilma. Embarcam em teses como o impeachment, que eu acho
uma besteira. Mas não se trata de imprensa golpista. Golpista é uma palavra
grave.
Qual o
problema desse discurso?
Ele cria uma teoria
conspirativa. O que não é o cânone da esquerda e do PT vira golpista.
Os blogueiros me
homenagearam várias vezes, então eles não podem me atacar porque eu sou
oposição. Reclamam que falo muito do PT. Mas o PT está no governo!
Não adianta centrar fogo
no PSDB, eles não estão no poder. Nós temos que centrar fogo no poder porque o
poder não é democrático. O fanatismo é empobrecedor.
Você já
enfrentou ameaças de morte. Como lidou com elas?
Meus inimigos, aqueles que
gostariam de me calar, sabem que eu posso ter informações dessa intenção deles.
Quando a ameaça tem consistência, vou atrás e faço o cara saber que eu sei.
Fonte/Foto:
Fernanda Mena, de São Paulo – folha.uol.com.br/Danilo Verpa - Folhapress
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