LITERATURA: ÓBIDOS-PA NA OBRA DE INGLÊS DE SOUSA
- por Wildson Queiroz (*)
Os quatro romances
publicados por Inglês de Sousa, O Cacaulista, O Coronel Sangrado, História de
um Pescador e O Missionário, além do livro Contos Amazônicos, buscam retratar o
cotidiano da população que habitava o Baixo Amazonas no final do século XIX.
Neles, o autor destaca
costumes, crenças e superstições. A maioria das histórias se passa nas zonas de
várzea, no famoso Paraná-miri, onde acontecem as disputas por terras e as
tramas amorosas, mas o autor não esqueceu de dar um destaque para sua cidade
natal, que aparece como cenário, principalmente, nos livros O Cacaulista e O
Coronel Sangrado, que narram a saga do jovem Miguel Faria que se envolve numa
disputa de terras com o tenente Ribeiro, pai de Ritinha, por quem Miguel é
apaixonado.
No romance O Cacaulista, o
primeiro escrito por Inglês de Sousa, ao narrar uma viagem de canoa, feita pelo
tenente Ribeiro com o alferes Pedro Moreira, além de alguns empregados, do
sítio até a cidade, o autor apresenta-nos a seguinte descrição:
“Em breve Óbidos ofereceu
um lindo panorama: acima corre o Trombetas, perto de cuja foz ficava a
malfadada Colônia Militar, e abaixo da cidade uma montanha eleva-se dominando
as casinhas que a cercam.
É ali o Amazonas mais
estreito do que em outra qualquer parte: oitocentas e poucas braças mediam
entre uma margem e outra, e a corrente rápida é, no inverno e nos dias em que
há tempestade, um perigo iminente para as fracas embarcações que tentam
forçá-la, e não tardaram em encostar no porto chamado de cima.”
Ao descrever a cena do
casamento de Ritinha com Moreira, na matriz de Óbidos, o autor nos dá a
possibilidade de viajar no tempo e presenciar o momento, imaginando a cena em
nossos pensamentos, nos mostra como ficava agitado o entorno da igreja enquanto
os demais lugares da cidade permaneciam completamente vazios:
“Na cidade havia coisa
nova; as janelas enchiam-se de gente, os moleques atoalhavam as portas das
ruas, os rapazes, as mulatas, caboclas e negras dirigiam-se em grupos para a
igreja de Sant’Ana. O largo da Matriz, de ordinário deserto e silencioso,
continha agora trinta ou quarenta curiosos, e na porta aberta de par em par
aparecia de vez em quando a figura do sacristão, que se oferecia com impostura
para mitigar a sede dos espectadores. Óbidos tinha o ar estranho das pequenas
povoações em dia
de festa; as lojas, onde
de ordinário se reúne a gente para a palestra, estavam desertas, e abandonadas
estavam todos os cantos da cidade, com exceção dos da praça da igreja.”
Nas notas destinadas a
esclarecer o público sobre alguns aspectos regionais, contidas nas últimas
páginas do livro, o autor apresenta uma descrição sucinta sobre sua cidade
natal, além de alguns aspectos e peculiaridades regionais:
“Óbidos é uma pequena
cidade da Província do Pará, situada a 180 ou 200 léguas da Capital na margem
esquerda do Amazonas, a uma légua pouco mais ou menos da foz do Trombetas.
Julga-se que ocupa o lugar da antiga aldeia dos índios Pauxis. Exporta
principalmente cacau e peixe seco, e poderá ter até mil e duzentas almas; com
um forte e um fortim, está edificada numa pequena colina, na parte mais
estreita do Amazonas, que forma aí uma angustura, e logo depois abre-se,
parecendo assim cercar a cidade. Óbidos foi elevada à cidade em 1854, e a
comarca só foi criada em 1867, de forma que, na época em que se passa a nossa
história, ainda era um termo da comarca de Santarém. O clima é seco e sadio, e
é a última povoação da Província do Pará confinando com a Província do Alto
Amazonas. Faz parte da Vigararia Geral do Baixo Amazonas, cuja sede é Santarém;
é também pertencente ao Comando Superior de Santarém.
O Paraná-miri (Pará, mar –
nhanhe (?) correr – miri, pequeno – rio pequeno) não é um rio à parte, mas o
mesmo Amazonas. Chamam no lugar Paraná-miri a um furo ou antes a porção das
águas que se acha apertada entre duas ilhas. No distrito de Óbidos há dois
Paraná-miris principais: o de baixo e o de cima (que é o do nosso romance). Nas
suas margens há sítios ou plantações de cacau.”
Ao destacarmos estes
tópicos da obra de Inglês de Sousa, que também faz referências à Óbidos na obra
O Coronel Sangrado, pretendemos mostrar o quanto o autor fez questão de deixar
registrado o cotidiano de sua cidade natal, fazendo-nos viajar e imaginar como
estas cenas teriam se passado, sua obra presenteia-nos com boa literatura e
também com informações históricas relevantes sobre Óbidos e o Baixo Amazonas.
– – – – – – – – – – – – –
– – –
* Wildson Queiroz é pedagogo, e membro do
IHGTap (Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós). Reside em Alenquer.
- Publicado originalmente
em www.jesocarneiro.com.br


Nenhum comentário:
Postar um comentário