GENOMA DO CAUSADOR DA 'CEGUEIRA DOS RIOS' É DECIFRADO NA AMAZÔNIA
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| Doença é conhecida como 'Cegueira dos rios'. |
Doença ainda ocorre em
Território Indígena Yanomami entre o Brasil e a Venezuela
MANAUS -
Um artigo publicado na edição de janeiro da revista científica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’ apresenta o sequenciamento
completo do genoma mitocondrial (ou mitogenoma) do parasito Onchocerca
volvulus coletado no Brasil, o causador da oncocercose. Presente em 31
países africanos, a doença também conhecida como 'cegueira dos
rios', já foi eliminada de alguns países das Américas. No
entanto, ainda ocorre em uma área isolada da Floresta Amazônica, no
Território Indígena Yanomami, fronteira entre Brasil e a Venezuela.
Um
tipo de verme, esta filária já está na mira da Organização Mundial da Saúde
(OMS) para a eliminação. O trabalho é o sequenciamento do primeiro O.
volvulus isolado fora da África. O estudo foi realizado por pesquisadores
de duas unidades da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): o Instituto Leônidas e
Maria Deane (Fiocruz-Amazônia), em Manaus, e o Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro.
A
filária analisada no estudo foi obtida a partir da biópsia da pele de um
paciente infectado nesta região. De acordo com os pesquisadores, além de
expandir o conhecimento científico, a decodificação do DNA mitocondrial deste
patógeno pode contribuir para os esforços de combate à doença. “O
sequenciamento do mitogenoma revelou a existência de polimorfismos [variedades
genéticas] que abrem portas para estudos populacionais sobre o O. volvulus.
Isso pode ser útil para o direcionamento mais efetivo das intervenções tanto na
África quanto na América Latina”, afirmou o parasitologista Sergio Luz,
coordenador do estudo e diretor da Fiocruz-Amazônia.
Estudo
ajuda a identificar subgrupos de parasitos
O
material genético do parasito O. volvulus decifrado no estudo é chamado
de DNA mitocondrial porque se localiza no interior das mitocôndrias, organelas
celulares responsáveis pela produção de energia do organismo. Com a função de
orientar a produção de proteínas envolvidas no funcionamento das próprias
mitocôndrias, o mitogenoma contém um número muito menor de genes do que o DNA
nuclear, que fica no núcleo das células.
No
entanto, uma vez que cada mitocôndria possui uma cópia deste material genético
e uma célula pode ter dezenas ou até centenas de mitocôndrias, este DNA é
abundante nos organismos e sua decodificação pode ser mais fácil por este
motivo. Os cientistas também consideram o genoma mitocondrial útil para
pesquisas porque ele evolui mais rapidamente do que o DNA nuclear, o que
favorece a identificação de diferentes subgrupos de micro-organismos –
cientificamente chamados de populações – dentro de uma mesma espécie.
Para
decifrar o mitogenoma da filária O. volvulus do Brasil, os cientistas
utilizaram uma combinação de tecnologias, incluindo técnicas clássicas de
sequenciamento genético e métodos modernos disponíveis na Plataforma de
Sequenciamento de Alto Desempenho da Fiocruz. O resultado foi uma sequência de
DNA com 13.769 pares de bases, onde se encontram 36 genes – que determinam a
produção de 12 proteínas e 24 moléculas chamadas de RNA –, além de 294 pares de
bases não codificantes. O genoma mitocondrial completo foi depositado no banco
de dados genéticos internacional GenBank, que pode ser acessado na internet.
Semelhança
de 99% com linhagens africanas
A
comparação do DNA mitocondrial do parasito brasileiro com o mitogenoma completo
de um patógeno do oeste da África e uma sequência parcial de um verme de
Camarões apontou aproximadamente 99% de semelhança, com apenas 46 pontos de
possíveis variações. “Uma vez que este mitogenoma foi apenas o segundo
publicado no mundo, essa análise permitiu a primeira investigação completa de
polimorfismos [variedades genéticas]. Esses dados mostram o quanto o O.
volvulus presente no foco do Brasil está próximo da filária que ocorre na
África”, destaca Sergio, acrescentando que a semelhança entre o parasito do
Brasil e o de Camarões foi maior do que a observada entre os dois patógenos da
África.
“No
passado, acreditava-se que as filárias que ocorrem no Brasil poderiam pertencer
a uma espécie distinta e causavam uma doença diferente do O. volvulus da
África. Embora já se reconheça há muito tempo que estes parasitos são da mesma
espécie, o resultado que observamos é notável em uma perspectiva histórica”,
completa o pesquisador.
Os
autores consideram que as variações genéticas observadas podem representar
novos marcadores de populações do O. volvulus, contribuindo para
entender a disseminação do patógeno e aprimorar as estratégias de combate à
doença. Nas Américas, o Programa para Eliminação da Oncocercose atingiu a meta
em quatro dos seis países onde a infecção era considerada endêmica. Porém, de
acordo com Sergio, a região da fronteira entre o Brasil e a Venezuela apresenta
um cenário complexo, que demanda novas abordagens.
“É
uma área indígena, muito grande, na qual a densidade da floresta e o terreno
montanhoso tornam a logística extremamente difícil e cara. Além disso, os
membros das tribos Yanomami que habitam a região são seminômades e cruzam a
fronteira entre os países livremente. Esta realidade faz da Amazônia o maior
desafio para a eliminação da oncocercose nas Américas e, ainda, pode se tornar
o maior desafio na luta contra a doença em todo o mundo”, explica o
parasitologista, ressaltando a importância do desenvolvimento de pesquisas na
região. “Acredito que a orientação adequada dos recursos e das ações integradas
nesta área será crucial para o sucesso dos programas de eliminação da
oncocercose”, declara.
Prêmio
Nobel destacou esforços contra a doença
Com
99% dos pacientes infectados vivendo em países africanos, a oncocercose faz
parte do grupo de doenças classificadas pela OMS como negligenciadas. No ano
passado, o agravo ganhou os holofotes quando os cientistas William Campbell, da
Irlanda, e Satoshi Omura, do Japão, receberam o Prêmio Nobel de Medicina pelas
descobertas que levaram ao desenvolvimento da ivermectina. O medicamento é o
único tratamento eficaz contra a oncocercose e a filariose linfática, outra
verminose que afeta países pobres e em desenvolvimento. Para a cura dos
pacientes, são recomendados 10 a 15 anos de tratamento, com doses anuais do
remédio. Embora demorada, a terapia reduz consideravelmente os danos causados
pela doença e é a principal estratégia para interromper o ciclo de transmissão
do agravo.
A
oncocercose é conhecida como ‘cegueira dos rios’ porque é transmitida por
insetos simulídeos – popularmente chamados de piuns ou borrachudos – que se
criam nos cursos hídricos com correnteza. Estes insetos são infectados pela
filária O. volvulus ao sugar o sangue de pessoas infectadas e transmitem o
parasito para outros indivíduos por meio da picada. Os sintomas da doença são
coceira, lesões na pele e formação de nódulos sob a pele. Algumas pessoas
infectadas também sofrem danos oculares, com prejuízo da visão e, nos casos
mais graves, cegueira.
Fonte/Foto: Portal
Amazônia/Reprodução - Shutterstock


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