O ÍNDIO WAI WAI DE R$ 3 MILHÕES
Timoteo Tayatasi, que
pertence à tribo wai wai, do oeste do Pará, é o índio com a maior dívida de
todos os tempos. Ele está sendo executado na justiça de Oriximiná por uma
dívida de três milhões de reais, que ainda poderá crescer até a execução da
sentença. Seu crime: vender quatro prendedores de cabelo, dois colares e 21
brincos sem autorização da Funai. Ele foi flagrado pelo Ibama comercializando
seu artesanato durante o festival folclórico de Parintins, no Amazonas.
A multa original era no
valor de R$ 75 mil reais, muitas vezes o valor das peças. Como não foi quitada,
a ela foram acrescentados R$ 1,5 milhão de majoração, agravamento e
amortização; R$ 706 mil de taxa Selic; R$ 297 mil de multa moratória, e R$ 497
mil de encargo legal. O valor consolidado da dívida ficou em R$ 2.985.517,18.
Mas ainda sujeita a reajustes.
Indo a Brasília atrás de
apoio, Timoteo conseguiu que o deputado federal Nilson Pinto de Oliveira, do
PSDB do Pará, encaminhasse ofício aos ministros da Justiça, José Eduardo
Cardozo, e do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; além das presidências da Funai
e do Ibama, pedindo providências a respeito do processo surreal que gerou multa
milionária, a maior, individualmente, da história de cinco séculos entre
nativos e colonizadores no Brasil.
No seu blog, Nilson, que é
geólogo e foi reitor da Universidade Federal do Pará, testemunhou: “Conheço os
Wai-Wai e já visitei em diversas ocasiões a aldeia Mapuera. Eles são exímios
artesãos e sobrevivem dessa arte”.
A sucessão de absurdos a
partir da simplória apreensão de 27 pequenas peças de artesanato, levou o
Ibama, na execução fiscal que promoveu contra o índio, a pedir o arresto prévio
de valores existentes em contas bancárias de Timóteo ou seus responsáveis. Ele
não tinha qualquer dinheiro em banco. Em novembro de 2014, o juiz da vara de
Oriximiná, Daniel Ribeiro Dacier Lobato, instruiu o oficial de justiça a fazer
penhora dos bens do devedor. Ele não tinha bens. Como, então, pode pagar uma
dívida de R$ 3 milhões? Vai para o Serasa, o Cadin ou outra instância dessas,
que nada lhe dizem?
“O que me deixa indignado
– diz o deputado federal – é que esse processo reúne todos os elementos para
compor o folclore dos casos surreais produzidos pela ineficiência, pela
burocracia e pelo despreparo do Governo Brasileiro para lidar com os povos
tradicionais do Brasil”.
Nilson arrola “diversos
momentos que apontam que houve excesso em todas as fases do processo: na
abordagem, na aplicação da multa e na execução judicial”:
O Sr. Timoteo Tayatasi
Wai-Wai foi abordado de forma violenta pela fiscalização do Ibama que, na
ocasião, ao arrepio da lei, arrancou-lhe inclusive o cocar que trazia à cabeça,
além de ter cortado e confiscado o colar que usava – objetos que eram de uso
pessoal e não estavam à venda. Ora, tal ato configura violência, agressão e
violação de direitos.
O valor da multa é
despropositado, inteiramente desproporcional à alegada infração, já que o valor
dos produtos confiscados não ultrapassa 5% do total original arbitrado como
multa.
A fiscalização do Ibama
aplicou multa sobre produtos que há séculos são elaborados da forma tradicional
pelos Wai-Wai. Dos animais que são mortos para fins de alimentação na tribo é
que, posteriormente, são retirados dentes e penas que mais tarde comporão os
adereços. Ou seja, o Ibama está proibindo a continuidade das tradições
indígenas.
A ação dos fiscais ocorreu
em uma cidade vizinha à área da aldeia Wai-Wai, durante um festival folclórico
no qual penas de aves são fartamente utilizadas pelas centenas de dançarinos
que ali se exibem. Não estava o indígena em questão contrabandeando as peças
para outros países ou vendendo-as em algum país europeu, mas tão somente na
vizinhança de sua aldeia.
É de causar espécie o fato
de a Fundação Nacional do Índio (Funai), não ter sido citada nenhuma vez no
processo contra um índio, uma vez que a Funai deve ser litisconsorte nos
processos que envolvem índios não emancipados.
Também registre-se que
Timoteo garante que o Ibama não fez qualquer ação no sentido de orientar os
Wai-Wai sobre o que determina a legislação sobre a utilização da fauna
silvestre nativa. Igualmente não foram alertados sobre a punição, confisco e
possibilidade de multa se violassem a lei.
A ação resultou, ainda, no
completo impedimento de que Timoteo Tayatasi Wai-Wai tenha meios de
subsistência. Além de ter seu material de trabalho confiscado, tem medo de
novamente ser multado, já que o Ibama alega que é proibido usar as penas dos
animais para confeccionar adereços, mesmo que tais animais tenham sido mortos
para os índios se alimentarem. Sem trabalho, ele e sua família estão sujeitos a
privações.
O valor excessivo de tal
multa e seus acréscimos, bem como a ameaça de confisco dos poucos bens que
possui a família de Timoteo Tayatasi Wai-Wai, inviabilizam a sobrevivência
econômica desse grupo de pessoas.
Conheço o povo Wai-Wai e
tenho muitos amigos na aldeia Mapuera, que visito há mais de 15 anos e está
localizada no município de Oriximiná. A situação acima exposta causa justa
indignação, já que interfere de forma violenta sobre uma cultura tradicional,
elimina-lhe as formas de sobrevivência, afronta-lhe os direitos e nega-lhe a
possibilidade de se sustentar de forma honesta.
Timoteo concluiu o ensino
médio ano passado e quer fazer o curso de Antropologia. Atualmente, ele ganha a
vida fazendo o artesanato tradicional dos Wai-Wai. Parece que o Ibama não quer
que o Timoteo trabalhe e ganhe a vida com o suor de seu rosto. Certamente
prefere que ele viva de Bolsa-Família.
- Publicado por Lúcio
Flávio Pinto, em wordpress.com.
Lúcio Flávio Pinto é ornalista profissional
desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da
imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em
1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal
que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém
No jornalismo, recebeu
quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por
seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em
Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do
CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.
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