NO AMAZONAS: PROFESSORA INDÍGENA DÁ AULAS NA SALA DE SUA CASA PARA CONTINUAR ENSINANDO
Uma sala ampla, arejada,
um quadro negro e giz. Tudo parece adequado para o início de mais um dia de
aula na aldeia Crispin, localizada a quatro horas de voadeira (embarcação
movida a motor) – e 16h de barco - do centro da cidade de Lábrea (701 km de
Manaus - AM). Mas existem algumas dificuldades. A sala não é de aula. É a da
casa da professora Davina Almeida de Souza Paumari, 40. E para completar, no
local não há cadeiras nem mesas para seus 15 alunos estudarem.
"As crianças ficam
todas no chão, de peito para baixo. O rendimento delas fica prejudicado. Muitas
viram pra mim e falam: Professora, não aguento mais ficar assim", conta
Davina, que dá aulas de paumari (família linguística Arawá, do povo indígena
Paumari, que vive na região do médio rio Purus, sul do Amazonas) para os 1º e
2º anos do ensino fundamental.
Mamori, como é conhecida
em sua aldeia, é contratada pela prefeitura de Lábrea como professora de escola
indígena e recebe cerca de R$ 900 para dar aulas em sua comunidade. Casada há
28 anos com o cacique e também ex-professor José Roberto de Souza Paumari
(Kaviri – nome indígena), ela ainda divide seu tempo com os cuidados dos seis
filhos.
O casal de professores
conseguiu concluir o ensino médio com muito esforço diante das idas e vindas
entre a aldeia e Lábrea, uma vez que o ensino na comunidade só vai até o 5º ano
do ensino fundamental – até hoje os Paumari da aldeia que querem terminar o
ensino fundamental precisam ir para a cidade.
Segundo Mamori, há sete
anos sua comunidade luta para a construção de um espaço que atenda a
necessidade dos alunos. Na aldeia até existe uma escola, mas ela só tem uma
sala que precisa ser dividida por cinco professores - o casal não informou a
quantidade exata de estudantes existentes, mas ressaltou que o número num
passado recente era de 180. Ao todo, 260 pessoas vivem no local.
Merenda atrasada
A professora afirma que
ela e seu marido já tentaram inúmeras conversas com a prefeitura local sobre a
construção de uma escola maior. Inclusive, já reclamaram sobre o atraso de dois
meses da merenda escolar. Segundo o casal, a prefeitura alega que não tem
recursos para a construção da escola e que a merenda será enviada agora em
setembro. O UOL tentou contato telefônico com a Secretaria de Educação de
Lábrea durante três dias seguidos, mas não conseguiu.
Por esses motivos, a Mamori
decidiu abrir as portas de sua casa. "O certo mesmo era eu nem arrumar
minha casa para ser escola. A prefeitura era quem deveria resolver o problema,
mas como a gente está na luta há tanto tempo, o jeito é trabalhar mesmo",
acrescenta.
"É muito difícil. A
gente faz o melhor trabalho que podemos", ressalta José Roberto, que
começou a trabalhar na aldeia como professor auxiliar aos 12 anos de idade e só
parou de dar aula aos 40 anos, por falta de tempo.
"Como cacique eu
viajo muito e aí precisava deixar outro professor com meus alunos quando eu
viajava. Ficava três dias, uma semana fora. Aí tive que parar de dar aula no
ano passado", explica.
Comemoração em dose dupla
O casal de professores não
esconde a ansiedade e o nervosismo quando questionados sobre os planos futuros
para a família. Se tudo der certo, no início do ano que vem os dois começarão
as aulas do curso superior de pedagogia intercultural indígena, oferecido pela
Ufam (Universidade Federal do Amazonas). No meio deste ano, eles fizeram o vestibular
indígena da instituição de ensino e foram aprovados.
"É. Vamos fazer
faculdade juntos aqui. Fiquei assim animado [quando recebeu a notícia da
aprovação]. Era um sonho a gente ter essa oportunidade", comemora o
cacique. "Fiquei até assustada quando soube que tinha passado, mas estou
animada. E com medo. Estudar junto [com o marido] vai ser estranho",
brinca Mamori.
Fonte/Foto:
Bruna Souza Cruz, do UOL em Lábrea-AM/UOL
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