BELO MONTE DITARÁ RUMOS ENERGÉTICOS
Paulo de Oliveira trabalha
como taxista na cidade de Altamira, norte do Brasil, mas só quando está
desempregado do que considera sua verdadeira profissão, operador de veículos
pesados, como betoneiras, caminhões e tratores especiais para grandes obras. Há
alguns meses dirige o táxi de um amigo durante à noite, enquanto espera emprego
na construção de Belo Monte, uma gigantesca hidrelétrica que divide opiniões e
instituições no Brasil, por aproveitar as águas do rio Xingu.
Pequeno, em contraste com
os veículos que maneja, Oliveira viveu em muitos lugares da Amazônia. “Comecei
na Força Aérea, um civil entre militares, construindo aeroportos, quartéis e
estradas em Itaituba, Jacareacanga, Oriximiná, Humaitá e outros municípios”,
contou à IPS. A morte de uma irmã em um acidente automobilístico o devolveu a
Altamira, onde se dedicou a ser garimpeiro. “Uma vez fiquei soterrado a dez
metros de profundidade em um túnel”, afirmou.
Ele se salvou desse e de
outros perigos e ganhou muito dinheiro com o ouro e o táxi em que transportava
mineradores que lhe pagavam fortunas para ir e vir entre a cidade e o garimpo.
“Mas gastei tudo com mulheres”, confessou. Depois foi para Manaus, capital do
Amazonas, com dois milhões de habitantes, para a construção da monumental ponte
sobre o rio Negro.
Na etapa seguinte, Porto
Velho, perto da fronteira com a Bolívia, desconfiou que algo ruim aconteceria
nas obras da hidrelétrica de Jirau e abandonou o posto onde estava há alguns
meses. Dias depois, em março de 2011, estourou a rebelião dos trabalhadores,
que queimaram 60 ônibus e quase todos os alojamentos para 16 mil operários,
paralisando por vários meses a construção de Jirau e de outra grande central
vizinha, Santo Antonio, ambas no rio Madeira.
Após passar por outras obras,
aos 50 anos, Oliveira regressou a Altamira, cidade de 140 mil habitantes a 55
quilômetros de Belo Monte, onde procura voltar a trabalhar depois de estar
parado desde 2013. Mas está difícil, porque a ocupação nessa obra está em
queda, devido à aproximação do fim da construção das estruturas de concreto. E
é possível que operários de sua estirpe, especializados em construção pesada,
já não tenham futuro em grandes hidrelétricas. Belo Monte, por suas
controvérsias, dificultará a realização de projetos semelhantes.
A avaliação que se imponha
no caso de Belo Monte ditará o destino dos planos do governo para
aproveitamento energético dos rios amazônicos, os únicos ainda com potencial
para geração em grande escala, já esgotada em outras partes do Brasil.
Um estudo do não
governamental Instituto Socioambiental indica que, completados os planos de
construção do governo para o período 2005-2030, as hidrelétricas amazônicas
fornecerão 67,5% da nova geração elétrica desse país com 203 milhões de
habitantes. O próximo projeto dessa magnitude, São Luiz, no rio Tapajós, a
oeste do Xingu, enfrenta um obstáculo aparentemente insuperável: a necessária
inundação de terras indígenas para formar sua represa, o que é proibido pela
Constituição brasileira.
Belo Monte, cujo projeto
original foi modificado para não inundar terras indígenas, é duramente
criticada por afetar o modo de vida indígena. A promotoria acusa a
concessionária Norte Energia de etnocídio e de não cumprir obrigações com
comunidades originárias, que em protesto ocuparam e danificaram várias vezes
algumas de suas instalações.
São Luiz, projetada para
gerar 8.040 megawatts, e outras centrais previstas para o rio Tapajós,
enfrentam uma resistência potencialmente mais eficaz, encabeçada por um povo
significativo na bacia, o munduruku, com cerca de 12 mil integrantes. Na área
de influência de Belo Monte vivem pouco mais de seis mil indígenas divididos em
nove grupos e quase a metade em cidades, segundo disse à IPS o especialista
Francisco Brasil de Moraes, coordenador substituto no Meio Xingu da Fundação
Nacional do Índio (Funai), o órgão estatal de proteção aos povos originários.
Outra batalha, a do
desenvolvimento local, tem menos repercussão internacional do que a questão
indígena, mas também pode ser decisiva para a aceitação de hidrelétricas na
Amazônia. A Norte Energia, um consórcio de dez empresas estatais e privadas e
fundos de investimento, destina cerca de US$ 1,1 bilhão para ações de mitigação
e compensação dos impactos sociais e ambientais em 11 municípios no entorno da
megaobra. Esta quantia, sem precedentes em projetos deste tipo, equivale a 12%
do total do investimento.
A empresa reassentou 4.100
famílias, desalojadas de suas casas para a construção da represa, indenizou
outras milhares, reurbanizou parte de Altamira e do município de Vitória de
Xingu, incluindo obras de saneamento básico, e construiu ou remodelou seis
hospitais, 30 centros de saúde e 270 salas de aula. Apesar destes números, as
queixas chovem de todos os lados.
A Norte Energia instalou o
esgoto e as tubulações nas ruas de Altamira, com modernas instalações para
tratamento de água potável e de esgoto. Mas atrasou em dez meses o acordo
assinado em junho para conectar essas redes às moradias, com a prefeitura
administrando e a empresa financiando. E levará outro tempo mais para a Câmara de
Vereadores criar uma empresa municipal de saneamento e que o serviço comece a
funcionar.
“Para minha família
prometeram três casas, porque temos dois filhos casados, mas depois retiraram o
direito a duas, talvez porque eu, doente, não possa reclamar”, lamentou José de
Ribamar do Nascimento, de 62 anos, reassentado no bairro de Jatobá, ao norte de
Altamira, o primeiro construído para as famílias desalojadas de áreas que serão
inundadas. Cada casa tem três dormitórios, sala, cozinha e banheiro em 63 metros
quadrados, mais 300 metros quadrados de terreno, e suas ruas estão
pavimentadas.
Com câncer de próstata,
Nascimento tem dificuldades para caminhar e vive com uma pequena pensão, mas
acredita em um futuro melhor para a população local graças aos empregos que a
hidrelétrica gera. “Aqui se vive muito melhor, nossa velha casa ficava alagada
com as chuvas, andávamos na água, sobre pontes de madeira podre”, disse sua
mulher, Anerita Trindade, de 61 anos. “Às vezes falta água e não há transporte
para o centro da cidade, mas agora estamos em terra firme”, comemorou.
Melhor sorte teve
Francisco Assis Cardoso, que aos 32 anos se converteu no maior comerciante de
Jatobá. Sua família de quatro irmãos obteve cinco casas contíguas, isso lhe
permitiu construir um supermercado em sociedade com sua mãe e uma farmácia. “Eu
trabalhava em uma farmácia, é o que sei fazer”, afirmou. Mas critica a Norte
Energia por demorar paraa cumprir as promessas de escola, ônibus e postos de
saúde nos cinco novos bairro e “pelas injustiças” na distribuição de moradias.
Um Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu busca ir além das compensações
por despejo e outros impactos das reservas. Uma coordenação paritária entre
sociedade e governos escolhe projetos que são financiados pela Norte Energia. A
Agenda de Desenvolvimento Territorial foi elaborada com estudos e consultas de
uma equipe contratada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), que financiou 80% da construção de Belo Monte.
Um terceiro desafio de
Belo Monte é provar sua validade a críticos de seu próprio setor elétrico, que
se opõem a centrais de passagem, as que aproveitam a água sem retê-la, têm
pequenas represas e baixa geração na época de estiagem. Belo Monte vai gerar,
em média, apenas 40% de seus 11.233 megawatts de capacidade instalada. Para não
inundar terras indígenas, reduziu sua represa para 478 quilômetros quadrados,
39% do previsto no projeto original da década de 1980.
Fonte/Fotos:
envolverde.com.br/Mário Osava, postado em: Inter Press Service
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