BELÉM DO PARÁ: A PEDREIRA CHOROU



- publicado por Lúcio Flávio Pinto *

A Pedreira é o bairro do samba e do amor de Belém do Pará e a Pedro Miranda é o seu palco e passarela, uma das melhores avenidas da cidade, larga, com canteiro central, mangueiras razoavelmente frondosas e, sobretudo, intensa e constante animação humana. O bairro tem muita energia. Circular por ele é uma festa.
Ou era. Desde a segunda-feira o burburinho na avenida foi murchando. Hoje, não havia o ambiente alegre (ainda que barulhento, mas sem agredir) tradicional na avenida. Os vendedores de rua sumiram. Ou melhor: foram sumidos pelo “rapa”, as linhas de frente da Secretaria de Economia do município.
Com a cobertura da guarda municipal, os agentes arrastaram tudo que encontraram nas calçadas que não estivesse enquadrado nas normas e na rabugice de alguns burocratas. O resultado foi um vazio no que costumava ser um azáfama, na descrição dos narradores.
Entende-se que a fiscalização municipal apreenda os produtos piratas. É concorrência desleal com a atividade regular. Não se entende que essa eficiência e presteza não se estendam à origem desse mal, os grupos organizados que produzem produtos piratas, aos milhares, todos os dias.
A tal grau de eficiência que, mal passa o rapa, os estoques são repostos para serem retirados e novamente restabelecidos, numa rotina que clama por uma interrupção definitiva, séria, de verdade – não como uma extensão viciada da engrenagem malsã.
Mas e livros e revistas, por que apreendê-los? Não se trata de produto pirata nem de concorrência desleal com o comércio regular. Esses vendedores são verdadeiros agentes culturais, respeitados e cultivados em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, Nova York e Londres, Roma e Paris, Tóquio e Xangai. Ajudam a manter a leitura, atividade em declínio na nossa sociedade apressada e irrefletida. Por que são impiedosamente perseguidos em Belém?
Por que os integrantes do rapa exibem um sorriso debochado quando voltam à Kombi, que lhes serve de condução, com livros e revistas que retiraram das pobres bancas dos vendedores, quando eles têm uma? Ou apanham sem o menor cuidado o material estendido na calçada, despejando-o no carro como se atirassem areia?
Em todas as cidades do mundo por onde passei um item do programa sempre foi circular pelas ruas atrás de vendedores de livros, revistas, discos e outros produtos culturais. Consegui assim preciosidades a preços mais em conta do que em qualquer outro lugar. O vendedor ambulante de livros (como os donos de bancas, à maneira dos buquinistes das margens do rio Sena, em Paris) são instituições culturais autênticas, elementos de composição da paisagem urbana. Deviam ser estimulados ao invés de punidos.
Claro: a prefeitura pode exigir que se cadastrem, impor-lhes as posturas municipais, fiscalizá-los, controlar sua atividade, não permitir que obstruam o ir e vir dos transeuntes e etc, e tal. Mas não saqueá-los e privá-los de seu ganha-pão, que pode vir a ser um regalo para seus clientes e é um elemento de enriquecimento das veias do saber em livre tráfego pelas vias de circulação na cidade.
A Pedro Miranda deste domingo estava uma avenida triste. Alegre-a de novo, prefeito. Mande devolver tudo que foi apreendido na forma de livros e revistas. A Pedreira agradecerá. Belém, da mesma maneira.


- * Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.

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