INCOMPETÊNCIA E GANÂNCIA NAS TERRAS DA AMAZÔNIA
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| Vista aérea da Amazônia Brasileira. |
-por Washington Novaes (*)
O
caderno especial do Jornal O Estado de S. Paulo Favela Amazônia – um novo
retrato da floresta (5/7), coordenado por Leonencio Nossa – é documento que
precisa ser conhecido por todos. É, ao mesmo tempo, um retrato da devastação no
bioma amazônico e um libelo sobre os formatos impiedosos da atuação humana
naquela parte do nosso território – e suas consequências dramáticas
internamente e para o inquietante drama do clima. Que se pode dizer quando se
tem diante dos olhos os números – um terço da população das grandes e médias
cidades vivendo em “territórios do tráfico”, condições mais desfavoráveis que a
das favelas do Rio e de São Paulo, máfias controlando o programa Bolsa Família?
Onde a biodiversidade – alto privilégio para o País – vai sendo perdida em alta
velocidade?
A
geografia política deu ao Brasil condição excepcional: território continental,
sol o ano todo, quase 12% de toda a água superficial do planeta, pelo menos 15%
da biodiversidade total, possibilidade de matriz energética limpa e renovável
num mundo em crise por causa das emissões de poluentes. Mas vamos desperdiçando
tudo, por incompetência e ganância.
Ainda
há poucas semanas o Brasil prometeu (Estado, 1.º/7), em declaração conjunta com
os Estados Unidos, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas
e acabar com o desmatamento ilegal “até 2030”; da mesma forma, comprometeu-se a
aumentar em 20% as fontes internas de energias renováveis, até 2030 – meta que
o professor José Goldemberg achou “pouco ambiciosa”. O Observatório do Clima
(1.º/7) considerou insuficientes os objetivos. Quando nada, porque a demanda de
energia vai crescer 70% em 15 anos; e as emissões setoriais devem chegar a 800
milhões de toneladas de carbono equivalentes em 2030.
Várias
instituições continuam a prever que os níveis de desmatamento em 2015 devem
superar os do período anterior. Ainda assim, o governo federal cortou em 72% os
recursos contra o desmatamento na Amazônia, de R$ 6,36 bilhões para R$ 1,78
bilhão (amazonia.org 1/4).
Quando
se vai para o capítulo de projetos de hidrelétricas na Amazônia, a inquietação
só pode crescer. Dossiê do Instituto SocioAmbiental (ISA) sobre o projeto da
hidrelétrica de Belo Monte (29/6) traz uma síntese de erros e omissões que ali
estão sendo cometidos; 24 especialistas condenam o que está acontecendo na área
– inclusive desmatamento e exploração ilegais de madeira, destruição das
atividades pesqueiras, perda do modo de vida tradicional nas comunidades
removidas, perda da biodiversidade nas ilhas formadas no reservatório, ameaças
a comunidades indígenas. A mortalidade infantil cresceu 127% entre 2010 e 2012.
Em
Altamira já foi feita a demolição de 4 mil casas e barracos para abrir espaço
para o lago; 7,8 mil famílias, com 27 mil pessoas, tiveram de ser reassentadas.
Ainda assim, não se conseguiu ligar a primeira turbina em fevereiro, como
estava previsto – “parece um cenário de guerra”, dizem os críticos.
A
cidade, que em 2010 tinha 100 mil habitantes, passou para 150 mil com o projeto
da hidrelétrica (Estado, 28/6), no valor de R$ 32 bilhões, que prometia
saneamento básico para 10% da população – mas não saiu do papel; 2 mil
processos estão em andamento na área, onde trabalham 24 mil pessoas (40 mil com
os empregos indiretos).
Mais
complicado ainda parece o destino de outro projeto, em Itaituba: o da usina São
Luiz do Tapajós, no valor de R$ 30 bilhões, que já nem se sabe se se
concretizará, dados o envolvimento na Operação Lava Jato e as conclusões de 20
mil páginas de estudos de técnicos ambientais sobre os prováveis impactos da
planejada “usina plataforma” de 8 mil MW. A Eletrobrás nega haver falhas no
projeto, mas o próprio presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício
Tolmasquim, admite que “há riscos”, até porque surgiram problemas complicados
com áreas indígenas – que ele espera resolver com consultas aos grupos que se
acham prejudicados, como exige a Justiça (amazonia.org 18/6).
Segundo
o Greenpeace (Eco 21, maio 2015), 19% da floresta amazônica foi removido em 19
anos – o que é extremamente grave, porque a Amazônia “transpira” diariamente
para a atmosfera 20 bilhões de toneladas de vapor d’água e isso tem influência
decisiva no clima e no regime hídrico de outras regiões, principalmente no
Centro-Oeste e no Sudeste, por causa dos “rios voadores”.
Ainda
assim, lembra o Instituto Centro de Vida do Cerrado (8/6) que 46% da área
florestal explorada em Mato Grosso num período de ano ocorreu ilegalmente – 139
mil hectares ou 31% mais que no período anterior, afetando também áreas
indígenas, para retirar 3 milhões de metros cúbicos de madeira.
E
ainda é preciso lembrar que metade do carbono que as árvores amazônicas
capturam da atmosfera é aprisionada por apenas 1% das espécies da floresta,
segundo estudo da Universidade de Leeds, no Reino Unido (ambientebrasil, 15/5).
A Amazônia tem 16 mil espécies de árvores, mas apenas 182 dominam o processo de
captura de gases que afetam o efeito estufa. O bioma responde por 14% do
carbono assimilado pela fotossíntese e abriga 17% de todo o carbono estocado em
vegetação no planeta.
Não
pode deixar de preocupar saber (amazonia.org, julho 2015) que pelo menos 70%
das espécies selvagens nas 3.456 ilhas formadas pelo lago da hidrelétrica de
Balbina (2,36 mil km2) “estão condenadas à extinção”, segundo estudo da bióloga
Maíra Benchimol. E isso terá fortes repercussões.
É
possível, então, reiterar as observações do pesquisador Antônio Donato Nobre,
do Inpe e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Eco 21, dezembro de
2014): “O grande responsável por manter o clima ameno no coração do continente
sul-americano é a floresta amazônica”. Mas “ela está sendo destruída”, com
726.979 km2 já removidos , chegando a 2.062.914 km2 com o acréscimo da
degradação em outras áreas.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
Fonte/Foto:
www.envolverde.com.br/Shutterstock


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