BARBÁRIE ADOLESCENTE



- publicado por Lúcio Flávio Pinto*

Era quase o fim do turno, naquela manhã. Rui, adolescente de 16 anos, ficou irritado quando o vigilante da escola, de 58 anos, o advertiu porque estava na sala errada. Bateu boca com ele porque não queria sair. Ainda mais irritado pela discussão pública, ameaçou matá-lo – talvez na defesa do que presumisse ser sua imagem, ou honra.
Rui foi em casa e voltou armado com um revólver. Como o portão estava fechado, pulou o muro da escola. Caminhou decidido. Outro inspetor e algumas pessoas tentaram contê-lo. Para se livrar delas, apontou-lhes sua arma.
O vigilante ainda tentou fugir, mas era sem saída o final do corredor. João se aproximou, mirou com a arma e disparou. Atingido na barriga, o inspetor tombou. João ficou mais perto e deu o segundo tiro, agora na cabeça, ato de execução. O terceiro disparo provavelmente já era até desnecessário, mas atingiu o ombro do funcionário. João fugiu, enquanto o vigilante era carregado e levado para a unidade de pronto atendimento mais perto. Chegou já cadáver. Deixou quatro filhos.
João é nome fictício, mas a história trágica se passou ontem na escola estadual Príncipe da Paz, de ironia involuntária, na estrada de Curuçambá, periferia de Ananindeua, área metropolitana de Belém. O vigilante se chamava Antonio Carlos Coelho, há 28 anos trabalhando na escola. O nome do assassino não pode ser revelado, resumindo-se às iniciais R. S. S.: a lei de proteção a crianças e adolescentes acautela o seu anonimato – talvez na presunção de salvar-lhe a honra e a imagem.
O criminoso fugiu e talvez escape ao flagrante. Escapará também à pena devida pelo homicídio por ser menor, tratado pela lei de forma mais leniente (ou conivente). Será apreendido e, talvez, no tratamento mais grave, mantido sob custódia em alguma dependência penal. Não por muito tempo.
Mas ele:
1. Depois da explosão do primeiro momento, teve tempo para pensar melhor e se conter. Não se conteve.
2. Tinha uma arma em casa. Segundo seu pai, sem o conhecimento da família.
3. Não levou em consideração a barreira física, pulando o muro da escola.
4. Reagiu contra os que tentaram contê-lo.
5. Atirou três vezes, na primeira delas já com a intenção de matar sua vítima, dando-lhe um tiro na cabeça.
6. Fugiu e, segundo uma versão, talvez algum motociclista o esperasse do lado de fora para fazê-lo escapar.
Uma testemunha reconstituiu o ataque para O Liberal:
O vigilante tentou fugir. O aluno ficou parado, no canto da quadra, esperando o funcionário voltar, já que a quadra era o único acesso para entrar no bloco onde funciona a escola. Quando o inspetor voltou, o aluno deu um tiro no seu abdômen. Quando ele caiu, se aproximou e deu um tiro na cabeça e outro que acertou o ombro. Depois saiu da escola andando.
Do mesmo modo, andando, vai perceber que a lei é falha e poderá explorar essa falha cometendo outros crimes, inclusive os de morte.
A lei não tem que mudar para inibir delito praticado dessa maneira, com pleno domínio de um desejo que a sociedade devia combater severamente: o de tirar a vida de outro ser humano?
Sem ignorar a idade do criminoso em tal circunstância, estará contribuindo para a manutenção e multiplicação de barbaridades como essa de ontem, na perigosa Ananindeua, situada no círculo infernal da não menos perigosa Belém do Pará. Onde os homicídios têm, cada vez mais, a assinatura de menores de 18 anos amparados pelas distorções da lei.




*Lúcio Flávio Pinto - Jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém
No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.

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