CASO DOROTHY, DEZ ANOS DEPOIS: ASSENTADOS PEDEM PRESENÇA DO PODER PÚBLICO.
Irmã foi
morta a tiros em 12 de fevereiro de 2005
Tranquilidade e segurança
foram palavras que os assentados no Projeto de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) Esperança evitaram usar ao relembrar o que mudou no local dez anos depois
do assassinato de Dorothy Stang, missionária da Congregação Notre Dame de Namur
que lutou pela reforma agrária no sudoeste do Pará e foi assassinada no dia 12
de fevereiro de 2005.
O medo de perder a terra
de onde hoje tiram seu sustento, o temor quanto a novas invasões de madeireiros
e a ausência do Poder Público são alguns dos motivos citados pelos camponeses
que vivem na região, próxima à cidade de Anapu.
Para as pessoas
entrevistadas pela Agência Brasil, os avanços após a morte de irmã Dorothy são
inegáveis e vão desde a ampliação do lote destinado ao PDS até a concessão de
recursos para que os assentados possam construir casas de alvenaria e investir
na produção. No entanto, os trabalhadores rurais reclamam que a situação, se
não acompanhada de perto pelo Estado, tende a gerar novos focos de tensão.
Dorothy Stang foi
assassinada com seis tiros enquanto caminhava pelas ruas do Lote 55 que, à
época, ainda não estava incorporado ao PDS Esperança. A luta da missionária
pelo acesso à terra aos pequenos agricultores contrariava os interesses de
latifundiários que se sentiam proprietários da região. Os fazendeiros Vitalmiro
Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão,
foram condenados como mandantes do crime.
A coordenadora nacional da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que acompanha e contabiliza casos de
violência decorrentes de conflitos no campo, Isolete Wichinieski, diz que os
madeireiros continuam derrubando árvores na região – atividade proibida já que
a prerrogativa do PDS é desmatar somente 20% do lote para o plantio de alguma
cultura sustentável.
Ela confirma que, por
conta do trabalho a que deram continuidade, as missionárias da congregação de
Dorothy que ainda moram em Anapu, bem como o padre que conviveu com a
missionária, foram ameaçados depois do assassinato.
Segundo Isolete,
“sentenças de morte” diretas têm dado lugar a ameaças veladas. Ela lembra que
Dorothy Stang estava na lista de ameaçados em 2004, mas que não concordou em
receber proteção policial. “Mesmo com proteção policial, você não tem garantia
de que a pessoa não venha a ser
assassinada. O que
resolveria mesmo o problema é dar fim ao conflito. Se as ameaças tivessem sido
investigadas e as pessoas que estavam gerando ameaças fossem presas, aí você
teria uma forma de fazer com que hoje a irmã Dorothy estivesse entre nós”,
afirma.
A presidenta substituta do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Érika Borges,
reconhece que ainda há focos de conflitos, mas acredita que esses problemas
estão sendo combatidos com mais apoio do órgão que, na última década, ampliou o
trabalho de assistência técnica e a infraestrutura dos assentamentos. “No
último período a gente buscou dar fluidez na política pública e fazer o Estado
estar mais presente. Então tem todo um processo dinâmico acontecendo na região,
que a gente avalia como muito positivo.”
De acordo com o Incra,
após a morte da missionária, não houve mais assassinatos ligados a conflitos
fundiários na região próxima ao PDS Esperança. Ainda segundo o órgão, o número
de ocupações indiscriminadas diminuiu, assim como a comercialização ilegal de
terras.
Para as missionárias Kátia
Webster e Jane Dwyer, irmãs de Notre Dame de Namur que conviveram com Dorothy
Stang, a possibilidade de redução do número de funcionários que atuam no posto
avançado do Incra em Anapu é um indício de que a tensão pode voltar a crescer.
“[Os servidores] só vão acompanhar assistência técnica, isso não serve”,
queixa-se Jane.
Os trabalhadores rurais
também acreditam que a falta de presença do Estado pode trazer consequências.
“A gente está se sentindo
ameaçado nessa situação. Com a ausência do Incra no município pode haver novas
pressões dos madeireiros, dos fazendeiros que estão dentro da terra e tudo”,
alerta Fábio Lourenço de Souza, presidente da Associação Agroecológica dos
Trabalhadores Rurais da Comunidade Santo Antônio do PDS Esperança.
Dos cinco servidores que
atuam no posto avançado do Incra em Anapu, instalado em decorrência do
assassinato, pelo menos dois não vão retornar ao município este ano. O chefe da
unidade avançada especial em Altamira, Danilo Farias, avalia que Anapu não tem
atrativos que faça os servidores se instalarem definitivamente na cidade.
“Conviver em Anapu para quem é de fora é um tanto difícil. O esvaziamento não é
por parte do Incra, mas sim por conta da situação de ter que vir pessoas de
fora para uma cidade que não tem estrutura nenhuma.”
Outra insegurança relatada
pelos trabalhadores rurais assentados no PDS é a ausência dos títulos de
Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). O documento pode ser concedido
individual ou coletivamente, já que na modalidade de PDS a posse da terra é da
União e o assentado tem o direito de explorar o terreno.
Apesar de a área destinada
ao projeto ter sido expandida formalmente – de 17 mil hectares em 2004 para 26
mil hectares em 2013 – , os trabalhadores ainda temem algum conflito por conta
da indefinição.
“Hoje a gente ocupa aqui a
parcela, mas não tem nenhum documento que nos vincule [à terra] legalmente. A
gente não tem nenhum contrato, a gente não tem documento nenhum que respalde a
gente de estar aqui”, disse Souza.
De acordo com o chefe da
unidade do Incra em Anapu, para a emissão dos documentos é necessário
regulamentar a Lei 13.001, criada em 2014, que trata créditos concedidos a
assentados da reforma agrária. “A gente está aguardando sair um decreto por
parte da Presidência da República [regulamentando a lei]. Daqui para o final
desse ano, caso saia o decreto até o final desse primeiro trimestre, com
certeza todo mundo vai ter [a CDRU]”, prometeu.
Para o desembargador
Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional, a demanda é legítima e
está próxima de ser resolvida. “O presidente do Incra [Carlos Mário Guedes de
Guedes] me disse, recentemente, que essa questão vai ser resolvida brevemente e
vai ser definida a maneira de titulação dos assentados, resolvendo, assim, esse
impasse e é um pleito que os trabalhadores realmente têm direito, têm
fundamento.”
Na opinião de Nilmário
Miranda, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República à época do assassinato da missionária, o Estado, que costuma não
chegar a regiões distantes como Anapu, está mais presente hoje. Essa presença,
entretanto, pode ser um fator que gera conflito.
“Quando você acelera a
reforma agrária, a violência aumenta”, garante Nilmário. “A longo prazo, é um
fator de coesão social, de harmonia. Dá o direito a todos, do acesso à terra,
todos os que queiram nela trabalhar, mas a curto prazo, as pessoas que adquirem
a terra, muitas vezes de maneira ilegal, acham que têm direitos absolutos sobre
ela [terra].”
Ele explica ainda que esse
processo esbarra, muitas vezes, na interpretação da Justiça que desconsidera a
função social da propriedade. “Mesmo sendo um princípio constitucional basilar,
[alguns juízes] dão valor absoluto à propriedade. Então dão sempre razão ao que
se diz proprietário. Isso é uma fonte de conflitos e de ausência de Justiça.”
Para o procurador do
Ministério Público Federal no Pará, Felício Pontes, o Poder Público é pouco
presente na Amazônia. Para ele, o Estado não tem aparato suficiente para cuidar
da chegada de migrantes.
“O Pará é uma região de
fronteira. É aqui que a estrada acaba. Pessoas chegam do Brasil inteiro. Os
primeiros que se estabelecem vão entrar em confronto com fazendeiros, com
madeireiros que normalmente são a elite nessa região. E quando o Poder Público
chega, o conflito já se instalou e muitas vezes mortes já aconteceram.”
Fonte/Foto:
ORM News/Agência Brasil
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