INTERESSE PÚBLICO: DEBATE PRESIDENCIAL FOI BRIGA DE PÁTIO DE ESCOLA
- Por Josias de Souza*, em
josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br
Não há outra definição.
Foi mesmo uma briga de pátio de escola. Os contendores se ofenderam como
garotos. Não eram adversários de pouca expressão. De um lado, a presidente da
República. Do outro, o presidente do principal partido de oposição. Dilma
Rousseff e Aécio Neves jogaram lama um no outro. Brandiram argumentos para
provar que os dois são mentirosos, levianos e malfeitores. Indignos, portanto,
do amor da República. Um espetáculo deprimente.
Ficou entendido que, para
Aécio, os corruptos são encontrados em vários partidos, quase todos no PT. Para
Dilma, os escândalos estrelados pelo PSDB são tantos que acabaram até com o
benefício da dúvida. No segundo round, quando a briga descambou para a
corrupção, foi impossível mudar de assunto. Mudou-se apenas de escândalo.
A certa altura, Aécio
soltou os punhos: “Todos nós, brasileiros, acordamos a cada dia surpresos com
novas denúncias. Em relação à Petrobras é algo absolutamente inacreditável. Eu
vi um momento apenas de indignação da candidata ao longo de todo esse período
em que essas denúncias sucessivas chegaram aos brasileiros. Foi no momento em
que houve o vazamento de alguns depoimentos nesses últimos dias. Não vi a mesma
indignação em relação ao conteúdo desses vazamentos.”
Dilma levantou a guarda:
“A minha indignação em relação a tudo o que acontece, inclusive no caso da
Petrobras, é a mesma de todos os brasileiros. A minha determinação de punir
todos os investigados que sejam culpados, os corruptos e os corruptores, é
total.” Empulhação! A fase em que Dilma podia punir alguém já passou. No caso
da Petrobras, só o Judiciário pode providenciar a verdadeira punição.
Chama-se Paulo Roberto
Costa o principal personagem do escândalo. Ex-diretor da estatal petrolífera,
ele prestou depoimento à Justiça Federal na semana passada. O conteúdo foi
divulgado regularmente, não “vazado” como disse Aécio.
Indicado para a diretoria
de Abastecimento da Petrobras pelo Partido Progressista, Paulo Roberto foi
nomeado sob Lula, em 2004. Deixou o posto no segundo ano do mandato de Dilma,
em 2011. Hoje, é um corrupto confesso. Em troca de redução da pena, ele abre o
jogo para a Polícia Federal, a Procuradoria e o juiz Sérgio Moro, responsável
pelo caso.
Aécio socou novamente: “No
momento em que o diretor nomeado por seu governo está devolvendo R$ 70 milhões
aos cofres públicos, assume que roubou, que desviou dinheiro da Petrobras,
quero saber: quais foram os bons serviços prestados por esse diretor, segundo
atesta o seu ato de exoneração da Petrobras.”
Dilma esquivou-se: “O que
eu considero é que é fundamental que nós saibamos tudo sobre esse processo da
Operação Lava Jato.” Conversa mole. O pedaço da investigação que ela quer
conhecer, por força da delação, corre em segredo. Envolve a nata do governismo.
Só deve ganhar os refletores em 2015.
“Considero ainda que é
fundamental que o país pare de ter impunidade”, partiu para o ataque Dilma.
“Investiga ou finge investigar e não pune. Nós mudamos essa realidade.” Ela
esfregou na face de Aécio os principais escândalos da Era FHC.
Dilma repetiu cinco vezes
a mesma pergunta: “Onde estão os envolvidos…?” Nas pegadas de cada
interrogação, surgia o nome do escândalo: “..Onde estão os envolvidos no caso
Sivam, na compra de votos da reeleição, na pasta rosa, no mensalão tucano
mineiro, no caso do cartel do metrô de São Paulo…” Para cada caso, a mesma
invariável resposta: “Todos soltos!”
A adversária de Aécio
passara o dia sob intenso treinamento. Sabia que, em matéria de escândalo,
jamais ganharia na qualidade. Na Petrobras, as mutretas mordem percentuais de
contratos bilionários. Bem marquetada, Dilma apostou na quantidade de
escândalos atribuídos ao tucanato. E provocou: “Quero todos aqueles culpados
presos. É essa a minha indignação, que o senhor não enxerga.”
Aécio teve a oportunidade
de aplicar um nocaute verbal em sua oponente. Bastaria que tivesse dito algo
assim: “Pois é, só que quem está atrás das grandes são os mensaleiros do PT.”
Deu uma resposta nada impactante, contudo. “A senhora busca comparar coisas
muito diferentes. Não queira nos igualar, candidata.”
Igualar era tudo o que
Dilma desejava. Impossibilitada de elevar a estatura ética do seu governo, ela
seguiu à risca a orientação de rebaixar o teto do adversário. “Candidato,
gostaria muito que o senhor explicasse aqui para o telespectador por que aquilo
tudo que eu listei é outra coisa. É outra coisa porque não foi investigado nem
punido.”
Aécio tentou elevar o
pé-direito: “O que acontece na Petrobras é algo extremamente grave, que jamais
ocorreu nessa República. E a senhora não responde a minha pergunta: aqui está,
na minha frente, a ata em que o diretor Paulo Roberto renuncia. Ao contrário do
que a senhora disse na propaganda eleitoral e em outros debates, ele não foi
demitido. Eis a ata da Petrobras.”
“No final está dito o
seguinte'', prosseguiu Aécio, abrindo aspas: “Agradecemos o senhor Paulo
Roberto pelos relevantes serviços prestados à companhia. Quero saber: quais
foram o relevantes serviços? Foi sua relação com o tesoureiro do partido [o
petista João Vaccari Neto]? [...] Candidata, é preciso muito mais do que um
conjunto de boas intenções em final de governo para o resgate da credibilidade
na vida pública. A senhora, infelizmente, não tem tomado a atitude que o Brasil
espera nesse caso.”
Dilma abespinhou-se:
“Candidato, eu tenho uma vida toda de absoluto combate à corrupção e de nenhum
envolvimento com malfeitos. Quero dizer ao senhor que, quando este diretor
[Paulo Roberto] foi demitido, o Conselho da Petrobras. [...] Não sabia dos
atos. Ele foi demitido em abril de 2012. E os fatos estão ocorrendo, graças ao
meu governo e à minha investigação, em 2014.”
Nesse ponto, Dilma soou
desconexa. Nos contratos da Petrobras, o dinheiro saía pelo ladrão porque
ladrões entraram nos contatos da estatal. Nessa matéria, a principal
contribuição do governo foi a de nomear os apadrinhados dos partidos. Quanto à
investigação, ocorre à revelia de Dilma.
A presidente foi aos
estúdios da Band, palco da refrega, decidida a demonstrar que, a seu juízo,
Aécio frequenta o debate sobre ética na condição de afogado, não de nadador.
“Seria importante também que o senhor relatasse para o telespectador o que
ocorreu em Cláudio, quando o senhor construiu um aeroporto na fazenda de um
familiar e entregou a chave pra ele.”
Dilma acionou os punhos
contra o queixo de vidro do adversário: “Como o senhor explica ter construído
um aeorporto que na época custava R$ 13,9 milhões e que agora custa R$ 18
milhões, a preços de hoje? Como explica que esse aeroporto foi construído num
terreno do seu tio e a chave fica em poder dele?''
O aeroporto da cidade de
Cláudio foi construído na época em que Aécio era governador. Como governar é
desenhar sem borracha, ele vem tentando ajeitar a moldura do quadro desde que a
obra virou manchete.
“Quero responder à
candidata Dilma olhando nos seus olhos”, disse Aécio, fitando a contendora: “A
senhora está sendo leviana, candidata. Le-vi-a-na. O Ministério Público Federal
atestou a regularidade dessa obra.” Ante a meia verdade de Aécio, Dilma cuidou
de difundir a metade do fato que mais lhe interessava.
“O Ministerio Público não
aceitou a ação criminal”, ela rememorou. “Mas mandou investigar a obra do
aeroporto de Cláudio no que se refere a improbidade administrativa.” Dilma
caprichou no didatismo: “Sabem o que é improbidade administrativa? É mau uso do
dinheiro público.”
Aécio tentou passar o
ouvido da audiência a limpo: “Essa obra de Cláudio, que a senhora insiste em
repetir de forma leviana na sua propagnada eleitoral, tanto que o TSE a retirou
do ar, foi uma obra feita numa área desapropriada em desfavor de um tio-avô
meu, para beneficiar uma região próspera, onde estão mais de 150 indústrias. O
Estado determinou o valor da desapropriação em R$ 1 milhao. Esse senhor, de
mais de 90 anos, reinvindica até hoje R$ 9 milhões por esse terreno. Não foi
beneficiado. Beneficiada foi a população de Minas.”
Na sua vez de atacar,
Aécio tratou Dilma como alguém que não tem condições de jogar pedras. Parece
considerar que no caso dela não é o queixo, mas o governo inteiro que é de
vidro. “Recentemente, o TCU disse que na, Refinaria Abreu e Lima, quando a
senhora era presidente do Conselho de Administração da Petrobras, não fuja
dessa responsabilidade, foi feito o sobrepreço para pagar propinas. Propinas
para partidos políticos que a apoiam, propinas para o seu partido político. A
minha vida pública é uma vida honrada, candidata. É uma vida digna.”
Em resposta, Dilma
referiu-se a Aécio como um líder que, aspirando uma pompa nacional, tropeça nas
circunstâncias paroquiais. “Hoje, no Brasil, é proibido o nepotismo”, disse
ela. “E o senhor tem: uma irmã, um tio, três primos e três primas no governo
[de Minas Gerais]. Pode olhar o governo federal. Não vai achar um parente meu.”
Aécio subiu o tom: “A
senhora está com a obrigação, agora, de dizer onde a minha irmã trabalha. Não
pode, candidata, fazer uma campanha com tantas inverdades. É mentira atrás de
mentira. A sua propaganda é só mentira. A senhora mente aos brasileiros para
ficar no governo. Não pode ser esse vale-tudo em que a senhora transformou a
campanha eleitoral. …Eleve o nível desse debate.”
De repente, Aécio pareceu
enxergar em Dilma uma versão feminina de Getúlio Vargas. “Não respondo a nenhum
processo, candidata. Ao contrário do seu governo, que virou um mar de lama.
[...] Sabe qual é a palavra que mais tenho ouvido? É libertação. O que os
brasileiros têm me pedido é o seguinte: Aécio, nos liberte desse governo do PT!
Nós não merecemos tanta irresponsabilidade, tanto descompromisso com a ética e
tanta incompetência.”
Agora responda: foi ou não
foi uma briga de pátio de escola? O pior é que não houve um nocaute verbal. Foi
uma briga para ser decidida nos pontos retóricos. A última cena injetou comédia
na tragédia: Dilma e Aécio cumprimentaram-se amistosamente. Trocaram beijinhos.
Quem teve saco
para assistir até o final
foi dormir com uma dúvida: no Brasil de hoje, o que é pior, o pesadelo ou o
despertar? A resposta é um empate técnico. Dentro da margem de erro. Que é de
infinitos pontos. Para baixo ou para cima.
*Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961.
Trabalhou por 25 anos na "Folha de S.Paulo" (foi repórter, diretor da
Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista).



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