NOVELA INSPIRA BEIJO GAY EM QUADRILHA JUNINA DE BELÉM-PA
Quadrilha se inspirou na novela global para armar a
barraca do beijo 'mix'.
Grupo diz que foi o primeiro a fazer beijo homossexual
durante desfile.
O aguardado beijo entre os
atores Mateus Solano e Thiago Fragoso na novela "Amor à Vida"
inspirou a quadrilha Tradição Junina, do bairro do Benguí, periferia de Belém.
Para celebrar os 25 anos de trajetória do grupo, a cena foi trazida para a
coreografia da quadrilha, que surpreendeu o público com um beijo gay do arraial
da cidade.
Segundo a quadrilha, esta
é a primeira vez que a cena acontece no São João de Belém: a encenação, feita
em um concurso no bairro do Jurunas, também foi reprisada no arraial da
Fundação Cultural de Belém. “A primeira vez que nos beijamos foi um alvoroço
danado, uma gritaria! Até porque antes da gente se beijar, tem toda uma cena, e
fica aquela dúvida se vai ou não ter o beijo. E quando aconteceu, foi incrível.
O público batia nas mesas, pulava. Até os jurados ficaram surpresos”, lembra
Maik Bayison, que protagoniza o beijo com Davi Silva no momento final da dança,
quando surge uma barraca colocada no centro da roda junina.
Originalidade
A ideia de inovar na
barraca do beijo, brincadeira típica de São João, foi do coreógrafo Cleber
Dias. “Nossa intenção foi falar contra o preconceito, que existe muito nas
quadrilhas juninas”, diz o coreógrafo, que há dez anos arquiteta os passos dos
dançarinos da Tradição Junina. “Existe o Miss Mix, que escolhe a melhor miss
gay, mas por exemplo, não existe nenhuma quadrilha que se deixe representar por
um mix. Então existe, sim, esse bloqueio, esse preconceito”, relata.
Cleber diz que quando
levou a proposta do beijo para a quadrilha, houve um espanto. “Logo de cara,
ninguém topou. Ficaram com medo das reações, do povo achar ruim, criticar. ‘Ah,
isso não vai dar certo!’. Mas se até a Globo mostrou o beijo na televisão,
estava na hora da gente levar para o arraial”, conta.
Para Davi, a brincadeira,
que foi aprovada pelo público, demarca um momento importante para as quadrilhas
de Belém. “É uma brincadeira, mas é uma brincadeira que trata também de uma
coisa séria. Vemos casos de violência por causa do preconceito. Então se a
gente, como quadrilheiro, puder também combater isso e mostrar que todo
relacionamento entre adultos é natural, melhor”, diz.
Miss caipira gay
O cabelereiro Marven dos
Anjos também desafia preconceitos durante a quadra junina: no mês de São João,
ele se transforma em Marjory Rabech, personagem que já ganhou quase 30
concursos de quadrilha gay no Pará. “Tudo é festa. O povo gosta de me ver
dançar, é muita cor, muita alegria. Minha família toda participa e os vizinhos
são fãs”, conta.
Alcançar o glamour de
Marjory requer algum sacrifício. Além dos ensaios, que começam meses antes das
festas, é preciso um “arsenal de beleza”, como define Marven: lentes de contato
azuis, cílios postiços, muita sombra e maquiagem, e em média, duas horas de
preparação até que Marjory apareça e mude radicalmente a aparência do
cabeleireiro.
Nascido na periferia de
Belém, Marven cresceu ao som de forró e do balanço do carimbó dos Roceiros
Mirins da Vila da Barca, tradicional grupo do bairro da Sacramenta liderado
pelos seus pais. “Sempre participei de quadrilha junina, por causa do meu pai e
da minha mãe. Na verdade, eu já nasci dançando”, brinca.
O talento e a paixão pela
dança o levaram a conseguir uma bolsa de estudos na Companhia Ana Unger, onde
aprendeu balé clássico e dança moderna. Em 2008, passou a integrar a Frescura
na Roça, quadrilha gay da qual foi miss por cerca de cinco anos, até o grupo se
desfazer. “Algumas foram para São Paulo virar mulher e a quadrilha acabou”, diz
o dançarino, bem humorado.
O carisma, aliás, lhe
rendeu o apoio não só da família, como mobilizou toda a vizinhança, que vai de
caravana acompanhar suas apresentações. “Eu ajudo, dou carona até os concursos,
alugamos van para levar todo mundo e torcer por ele”, conta Cássia de Jesus dos
Santos, mãe das meninas Stephanie, 5, e
Ebelyn, 10 anos, que se inspiram em Marjory. “Já quero ser miss na minha
escola”, diz Stephanie, empolgada, fantasiada com os arranjos de cabelo da
personagem de Marven.
“O que eu mais gosto é o
envolvimento de todo mundo. O que mais me contagia é isso, trazer essa alegria,
essa brincadeira. Quando eu me monto, a rua logo enche de gente querendo ver”,
diz o dançarino, que comemora o sucesso dos "mix" na quadra junina.
"A gente sabe que existe muita discriminação, muita violência contra a
gente na vida cotidiana, às vezes no emprego, na rua. Mas eu acredito no poder
da alegria e confraternização que o São João tem. Eu nasci e me criei nesse
espírito de festa da quadra junina, e foi essa festa colorida que fez a Marjory
acontecer. Então nada vai nos parar!", garante.
Fonte/Foto:
g1.globo.com/Gil Sóter
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