RECLAMA DE HAITIANOS NO BRASIL E AINDA DIZ QUE SOMOS TODOS MACACOS
* por Leonardo Sakamoto
29/04/2014
Fico descrente diante de
comentários de colegas jornalistas, espumando preconceito e desinformação,
criticando o “peso'' dos imigrantes haitianos para a estrutura de atendimento
de saúde, educação e assistência social e reclamando do estorvo econômico que é
chegada desse pessoal.
Como se eles mesmos não
fossem o resultado de pessoas que deixaram sua terra natal por desalento e
esperança (quando a migração foi voluntária) ou trazida em porões de navios,
quando não.
Os haitianos não vêm
simplesmente buscando oportunidades – que não são encontradas no país abalado
pelo terremoto de 2010, que matou 300 mil pessoas, pondo abaixo sua já frágil
economia e frágeis instituições – mas também atendendo ao chamado brasileiro
por mão de obra, assim como ocorre com os bolivianos. Sim, esse fluxo
migratório atende a demanda por força de trabalho do Brasil, em que
determinadas funções já não são preenchidas apenas por brasileiros, como
empregadas domésticas, costureiras e operários da construção civil e de
frigoríficos.
Sob a perspectiva mal
informada de grande parte população, contudo, eles vêm “roubar'' empregos. Isso
quando o preconceito não descamba para o roubo de relógios, jóias, carros e
casas.
A verdade é que muita
gente, do Acre, a São Paulo, passando por Brasília, não sabe de onde vem o
incômodo que sente ao ver centenas de haitianos chegando e andando pelas ruas
brasileiras.
Tenho certeza que, se
tivéssemos loiros escandinavos pedindo estada ao contrário de negros, a
história seria diferente. Ou seja, para muita gente é racismo mesmo, com todas
as letras. Com a sempre presente discriminação por classe social – negros ricos
são menos queridos do que tolerados em uma sociedade preconceituosa como a
nossa.
Algumas das pessoas que
pensam dessa forma devem estar postando selfies com bananas, dizendo que somos
todos macacos – um lema ridículo que faz uma crítica vazia, funcionando muito
mais como modinha e oportunismo do que ajudando na conscientização sobre as
causas e as consequências do preconceito. Aliás, foi ótimo para mostrar o que
já sabíamos: no dia a dia, #somostodosridículos.
Por fim, o fato da maioria
de nossos antepassados ter sido explorada até o osso quando aqui chegou é mais
um motivo para tratarmos com respeito
os que, agora, chegam para
ajudar nosso crescimento econômico e em busca de seu sustento.
O governo federal, que é o
principal responsável por organizar esse processo, demorou para viabilizar e
financiar estruturas de acolhida, apoio e intermediação oficial de mão de obra
de modo a evitar a superexploração de imigrantes que já começa a acontecer. Ou
seja, mexer-se, coordenar o processo.
Se o fluxo migratório
boliviano ocorre, principalmente, para a capital e o interior do Estado de São
Paulo, os haitianos espalham-se pelo país, com especial interesse nos Estados
do Sul.
Na gestão federal passada,
ocorreram ações, como a intermediação de contratos com grandes empreiteiras e
que empregaram milhares de haitianos. Por que não desenvolver a política?
Enquanto isso, a sua
vulnerabilidade se traduz em números: 21 foram libertados do trabalho escravo
em uma ação de fiscalização do poder público em Cuiabá (MT), em uma obra do
“Minha Casa, Minha Vida''. Outros 100 acabaram resgatados da escravidão em uma obra
da mineradora Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG) – ambos os casos
no ano passado.
Coordenamos, há anos, uma
“força de paz'' no Haiti com o objetivo de ajudar a garantir a ordem e a
reconstruir o país. O Brasil sempre disse que o Haiti deveria vê-lo como um
grande irmão do Sul. Nada mais justo portanto que, no momento de necessidade,
passarem um tempo na casa desse irmão. Ou, se quiserem, estabelecerem-se por
aqui.
Ou não te incomoda agirmos
como os idiotas agiam há 200, 100, 50 anos atrás?
* Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu
conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e
no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter
Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo.


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