OLHAR CABOCLO


Permitir-se conhecer um pouco sobre a Amazônia brasileira é o mesmo que, em múltiplos sonhos, adentrar o túnel de todas as eras; é vislumbrar a mistura de encantos e de desafios que podem plainar em cada cantinho que o nosso olhar um dia possa entrever.
E, quando nos propomos a acessar as suas riquezas de meandros, na maioria das vezes, são tantos os lampejos benfeitores de descobertas que nos perdemos em seus números abissais, dada a imponência dos fascinantes povoados; em especial, os de espécies maravilhosas que habitam durante séculos esse continente magnífico das Américas.
Assim, o glamour desse colosso verdejante torna-se um paraíso deslumbrante que vai ao encontro de todos os seres viventes até podermos identificar algum marco referencial que nos presenteie com a bússola de partida rumo a qualquer aprendizado para a melhoria de nossos diminutos conhecimentos.
E, dentre os milhões de seres que habitam este universo maravilhoso, um único tornou-se marcante, porque é especial e muito diferente; a começar pelo seu modo de ver as coisas, de tratar de forma carinhosa os objetos de seu habitat natural; e a esse ser, a esse homem, todos chamam de caboclo, ou de interiorano; também o tratam como ribeirinho, ou irmão, ou um grande desbravador ou ainda o guerreiro de todos os povos.
Desse modo, tudo que diz respeito à Amazônia nada passa ao largo; nada passa distante se não receber um leve toque de suas mãos; seja um produto de origem mineral, animal, vegetal; seja, por incrível que pareça, até um produto de alta tecnologia, que também recebe um toque de suas mãos benfazejas.
Para o caboclo amazônida, a argúcia não é sinônimo de oportunismo, tampouco de engodo; para ele é saber ver e tratar todas as coisas oriundas do celeiro verde da Amazônia muito além de um simples olhar; é assisti-la e procurar vê-la com nobreza, razão de esta palavra receber um conceito brioso, o que faz que o irmão caboclo passe a elegê-la por um novo prisma; e isso tudo acontece logo nos primeiros anos de sua vida.
Igualmente, os não afeiçoados ou os que pouco conhecem sobre esse modus vivendi o deixam passar despercebido e não conseguem alcançar o significado de um simples gesto positivo ou negativo, o que faz emitir conceitos desfocados sobre o modo de vida de um dos seres mais importantes da floresta: o irmão caboclo.
Suas tenras habilidades em tratar tudo o que existe ou possa existir nos solos amazônicos recebe um sentimento especial de apreço, sejam os pássaros, as aves, os peixes, os animais domésticos e selvagens, sejam as rosas, as orquídeas; todos integram um conjunto primordial e têm o seu lugar assegurado nos arredores de seu humilde lar.
A coragem e a fé são leis indispensáveis; e todos os caboclos trazem consigo esses atributos para alicerçar a construção de seus sonhos, no seu dia a dia. Desse modo, vêm construindo ao longo das enseadas, nos centrões, nas margens das nascentes, ao longo dos igarapés, paranás e rios as vigas mestras do porto seguro, o que assegura para si, para os seus e para todos os amazônidas riquezas incalculáveis que hoje se encontram nos quatro cantos do mundo.
Habilmente, souberam, como poucos, entalhar suas canoas, seus igarités, seus barcos para navegar pelos mais de mil rios da Amazônia brasileira. No decorrer dos séculos, os artefatos domésticos receberam novas formas das mãos caboclas para atenderem às suas necessidades mais básicas.
Instrumentos musicais também foram aperfeiçoados com a junção de inúmeros adereços indígenas para que se ouça a melodia absolutamente magistral numa verdadeira mística que sopra os sons das florestas; por isso as notas são únicas, entoando sonoridade para o encanto de todos.
Os peixes fresquinhos que são apanhados às margens dos majestosos lagos também receberam pitadas de dezenas de temperos únicos que, numa mistura de sabores ímpares, já conquistaram os restaurantes mais requintados do mundo e atendem aos mais exigentes paladares.
Humildes, recebem a todos de bom grado. Deixam-se presentear sinalizando as boas-vindas e retribuem ao visitante com coisas simplórias; e, muitas vezes, mesmo sem disporem de uma mesa farta, compartilham uma banana como gesto da mais autêntica reciprocidade.
São esses simples modos de levar a vida que marcaram a sua personalidade ao longo dos séculos e o fazem diferente; foi daí que compuseram a sinfonia sagrada do Olhar caboclo sobre as relações humanas que se tornaram a sua marca registrada junto aos seus e a toda a humanidade.

Artigo do livro “Olhar Caboclo”, pág.25
Todos os direitos reservados.

Autor: Lison Costa



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