SAUDADES DE UM TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS
Às margens do paraná do Aduacá, após a segunda enseada
da comunidade Santíssima Trindade, eu passei os mais lindos dias de toda a
minha infância. Morava numa casinha coberta de palha de apenas dois cômodos,
com uma pequena escada na entrada, uma roseira branca e várias árvores
frutíferas a dar guarida, as quais ornamentavam um lar em que transbordavam
felicidades.
Cedinho, bem cedinho, papai despertava; e, ainda
sentado na rede de dormir, punha-se a conversar com a minha adorável e amada
mãezinha. Eram tantos sonhos. Muitos se transformavam em realidade; outros
viajavam. Depois, papai se dirigia ao fogão de barro e preparava o café. O
cheiro do pretinho invadia os dois quartos, despertando-nos; e, quando papai
tossia, estava mandando o recado de que todos levantassem.
Eu nem me mexia na rede. Com um olho semiaberto, olhava
na direção das paredes e assistia à passagem dos primeiros raios dourados do
deus Sol beijando o chão. Em minutos, já estávamos apostos para se dirigir ao
porto e para começar a carregar alguns baldes de água para mamãe usar durante o
dia. Na última viagem, sempre trazíamos uma cuia com um pouco de areia; esta
era amarelada, e a usávamos para dar uma nova vida às panelas. O Bombril já
existia, mas papai não dispunha de dinheiro para adquirir o produto de 1001
utilidades.
A minha irmã mais velha, a Cássia, gastava cerca de
duas latas de água regando o canteiro, o qual dispunha de bastante chicória,
tomates, pimentão, cheiro-verde, alfavaca e alguns pés de alface. Em verdade, o
canteiro era uma velha canoa suspensa sobre duas travessas e quatro forquilhas;
uma velha tarrafa sobre ele fazia as vezes de guarida.
Cumpria religiosamente as minhas tarefas e depois ia
passear nas redondezas. Pegava um longo caminho sinuoso, ornado com uma
vegetação rasteira, de forma que, simplesmente às dez horas da manhã, os pés
ficavam molhados do orvalho que embelezava todos os ramos e cada folha por onde
passávamos. Os paralelepípedos de barro queimado nos alertavam e as pontas nos
cutucavam, deixando-nos muito mais alerta a qualquer investida de alguma cobra
e demais animais.
Obrigatoriamente, eu precisava passar a mão sobre as
cascas de um portentoso pé de mulungu, pois ele estava aposto rente ao caminho;
mais à frente, fazendo-lhe companhia, estava um velho ingazeiro; aí, sim, era
parada obrigatória; dificilmente eu deixava amadurecer os frutos –
principalmente os que se encontravam nos ramos mais baixos da verdejante copa.
Apanhava-os e começava a saborear suas saborosas pastilhas aveludadas. Muitas
vezes, eu declinava do almoço porque estava farto de tanto comer os ingás.
Às quatro da tarde, na primeira oportunidade que
tinha, eu corria para as margens do caudaloso rio. Sentado num banquinho
improvisado de paxiúba, próximo à cerca da extrema, punha-me a assistir ao
remador em sua canoa, além da descida das aves sobre as pequenas toras. Algumas
destas, com suas longas raízes expostas; outras semicurvas; as águas do Aduacá
iam lavando-as até o Sol anunciar a grande partida.
Retornava caminhando bem devagar; eu sentia uma força
que me segurava. Eu nem sabia se queria retornar. A indecisão tomava conta de
mim. Era quando mamãe acenava chamando-me, e os primeiros carapanãs ferroavam
as pernas e os braços, fazendo-me amiudar os passos em direção à minha
abençoada casinha. Quando eu chegava, ficava torcendo para que o seu Lauro aparecesse;
quando ele demorava, eu ficava a torrar a paciência do meu pai, pois eu era
apaixonado pelas estórias do visitante e como saíam. Às vezes, o seu Lauro só
ia embora quando o luar beijava o solo do nosso terreiro.
Que saudade danada! Só ficaram as lembranças de um
tempo que não volta mais.
Todos os direitos
reservados
Autor: Lison
Costa
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