"ESCREVO PARA ME MANTER ÍNDIO", DIZ ESCRITOR DANIEL MUNDURUKU
Para o escritor Daniel
Munduruku (foto), escrever é uma forma de se manter ligado à cultura da aldeia que
deixou há 15 anos no Pará, da qual saiu por curiosidade, vontade de descortinar
novos horizontes. "Escrevo para me manter índio", diz o autor de 42
livros voltado para o público jovem e infantil, graduado em filosofia, doutor
em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorando em Literatura
na Universidade Federal de São Carlos.
Sem se distanciar das
raízes munduruku, tornou-se educador social, criou um jeito de ensinar que
incluiu a tradição indígena de contar histórias. No meio do caminho descobriu
que sabia e podia escrever. Não parou mais.
Neste ano, Munduruku foi um dos convidados da
Bienal do Rio, onde falou na sessão "Guarani, Kaiová e muito mais –
Literatura de índio", ao lado de Graça Graúna e Lucia Sá nesta terça-feira
(3). Para ele, ao escrever sobre a própria realidade, o índio pode mudar sua
imagem na sociedade. "Tem ajudado a questionar velhos estereótipos",
afirmou em entrevista ao UOL. "As pessoas que entram em contato com nossa
literatura acabam criando para si um novo olhar e isso, com o tempo, vai chegar
às mentes de todos os brasileiros".
O escritor é otimista e acredita que muita
coisa já mudou. "A forma de compreender os povos indígenas evoluiu",
diz. "Está evidente que desejamos participar da vida nacional sem abrir
mão de nossa cultura, e embora muitos discordem, vejo a construção de uma nova
relação do Brasil com seus povos ancestrais".
E ele trabalha há tempos para que essa visão
se concretize. Criou o Instituto UKA – Casa dos Saberes Ancestrais, e a
Academia de Letras de Lorena – cidade onde vive, localizada no Vale do Paraíba,
interior de São Paulo. Mas o destemido escritor reconhece que o cenário está
bem longe do ideal. Ele diz que a relação dos povos indígenas com relação aos
livros e à literatura segue a curva estatística do próprio país. "Os
índios leem pouco devido ao acesso limitado a traduções para suas línguas
tradicionais. Querem ter acesso ao livro e à leitura, mas é preciso ainda
desenvolver esse hábito neles".
No momento, ele se dedica à organização da I
Jornada Literária do Vale Histórico que irá acontecer entre os dias 18 e 20 nas
cidades de Lorena e Guaratinguetá. A opção em viver na região foi estratégica,
por ficar no caminho entre São Paulo e Rio de Janeiro e São Paulo.
Apesar da agenda agitada, o escritor garante
preservar um pouco da "vida de índio" na pacata cidade que escolheu
para morar, onde segundo ele, se refugia para poder escrever enquanto cuida do
quintal, da casa e da família. "Não sou muito bom com rotinas, às vezes me
sento diante do computador e escrevo, outras saio para caminhar, tem dia que
fico à toa, passeio pela cidade, encontro pessoas".
O diário de um curumim
Entre os vários livros que
escreveu, "O Diário de Kaxi" conta a história de um indiozinho que
pela primeira vez deixa a aldeia e vai para a cidade. A ideia da obra, segundo
o escritor, era mostrar o que as crianças da aldeia munduruku pensam sobre a
cidade, suas dúvidas e curiosidades. A garotada da tribo ainda produziu os
desenhos que ilustram a história, recheada de palavras indígenas.
A imaginação dos pequenos mundurukus
influenciou o livro, como os prédios, que para Kaxi são "caixinhas de
morar", ou os carros, que parecem "caixinhas em cima de rodas".
Os anciões da aldeia ensinam que o céu é redondo, então por que construir tudo
em formato de caixas, questiona o pequeno curumim, no livro.
A cultura indígena ocupa evidentemente o maior
espaço na estante de Daniel Munduruku. Mas ele conta que tem espaço para outras
leituras. Apesar de citar em primeiro Darcy Ribeiro, fundamental para colocar
os indígenas em evidência, ele destaca o pensamento político de Hanna Arendt,
pelo qual se diz encantado, fala de um alinhamento filosófico com Platão e
Nietzsche. Na educação, se diz atraído pelo pensamento complexo de Edgar Morin
e a concretude de Paulo Freire.
O apetite literário do escritor indígena é
variado, ele revela que cabe de tudo, da "reflexão non sense" de
Paulo Coelho às tiradas existenciais de Saint-Exupery. No momento, lê "O
Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meirelles. "Cada obra tem
seus sentidos e leituras possíveis, gosto de pensar que o que leio é mais um
universo que jogo para dentro de mim", conclui Munduruku.
Formigas guerreiras
Distante da pacata Lorena,
o povo mundukuru (palavra que significa 'Formigas Guerreiras'), vive dias de
tensão e conflitos. Em novembro de 2012, uma operação da Polícia Federal cujo
alvo era o garimpo ilegal no norte do país acertou nos índios mundurukus. Seis
índios ficaram gravemente feridos e um foi morto.
Outra ação policial está
em curso e promete manter a temperatura elevada na região. Desta vez, o
objetivo é garantir os estudos de impacto de implantação da usina hidrelétrica
São Luís do Tapajós. Índios alegam que não foram consultados.
"Nossa região tornou-se um cenário de
guerra", comenta Daniel Munduruku. Ele observa que os povos indígenas
gostam do diálogo, e que a invasão das terras para ações policiais é
injustificada. "Não precisa invasão, mas parece que a vida das pessoas não
têm tanto valor quanto os interesses econômicos".
Fonte/Foto: entretenimento.uol.com.br/Arquivo
AA
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