SONHAR NÃO OFENDE
Nesta semana serão
plantadas muitas árvores e feitos muitos discursos. Faz tempo que a Semana do
Meio Ambiente mostra o quanto o Brasil está preso a uma repetição retórica e
prática. A mudança é para pior: se antes era “mais do mesmo”, agora é menos do
mesmo.
A governança ambiental
construída a duras penas buscava superar o embate simplório entre destruidores
e defensores de uma natureza sempre considerada externalidade, longe do centro
econômico da vida social. Reforçando o controle e a participação social, fortalecendo
as instituições, incentivando o desenvolvimento sustentável, buscávamos
transitar para uma sociedade em que a “questão ambiental” estivesse integrada a
todos os aspectos do desenvolvimento.
Dez anos depois, já seria
tempo de dar um passo adiante. Mas nem a mais atrasada ideia de “progresso a
qualquer preço” é capaz de explicar o retrocesso que o governo brasileiro e sua
base parlamentar promoveram nos anos recentes.
Profundo a ponto de se
constituir na grande marca do atual governo, o retrocesso acontece justo nos
anos em que a humanidade mais necessita de liderança estratégica para evitar o
aquecimento de dois a seis graus que a ciência projeta, agora que a
concentração de gases estufa ultrapassou todos os limites.
E os limites do Brasil? O
“novo” Código Florestal, celebrado como uma vitória dos ruralistas, um ano
depois de aprovado, mostra que é uma simples “licença para desmatar”. Mas
também temos o drama indígena em Belo Monte, e a violência em tantas outras
aldeias, a redução de unidades de conservação, a perda de controle sobre o
desmatamento e uma interminável fila de agressões contra o futuro.
Alguns casos atingem as
bases da economia. No próximo leilão de energia só se permitem propostas para
contratar termelétricas. São proibidos projetos de energia eólica, uma fonte
mais barata e menos poluente. Há projetos aprovados de energia eólica, mas a
Chesf não consegue entregar as linhas de transmissão. Pagamos caro pela falta
de planejamento e pela obsessão por combustíveis fósseis.
E haja espaço para elencar
tanto retrocesso. Mas como a esperança não precisa morrer de véspera, que tal
sonhar que nesta Semana do Meio Ambiente, o governo resolva iniciar um processo
de redução de tantos danos? Destravando pelo menos a agenda de criação das unidades
de conservação, que está paralisada, deixando prejudicadas as comunidades
tradicionais, como as da Reserva Extrativista Rio Branco-Jauaperi, na divisa entre Roraima e Amazonas,
e a biodiversidade da região do Boqueirão da Onça, no Vale do São Francisco.
Sonhar não ofende ...
Fonte/Imagem:
Marina Silva (ambientalista, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e
ex-candidata à Presidência da República em 2010) - Publicado originalmente no
site Folha de S. Paulo/Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário