PEC 215 – uma ameaça ao direito originário dos indígenas
Peça chave para entender história do Brasil – desde muito antes do seu
descobrimento, até os dias de hoje – os índios nunca tiveram a importância merecida
nas diretrizes da educação brasileira. Triste realidade. As nações indígenas compõem o
diversificado cenário étnico brasileiro e são consideradas patrimônio cultural da
humanidade. Sua cultura, sua forma de organização social, sua história e o seu direito
de possuírem terra própria e amparada por lei deveriam firmar-se nas escolas em
programas que vão além das meras atividades propostas no dia do índio, 19 de abril.
Seus direitos estão assegurados num capítulo específico da Constituição
Brasileira (título VIII, "Da Ordem Social", capítulo VIII, "Dos Índios") mas, como na
prática isso não se firma corretamente, os indigenistas travam, com frequência,
insistentes batalhas contra o governo na luta pela validação dos seus direitos. Prova
disso é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 que atualmente tramita no
Congresso Nacional. Propondo limitar os poderes da Funai na demarcação de terras
indígenas e de interesse da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como
‘bancada ruralista’, a PEC 215, se aprovada, transfere do Poder Executivo para o
Congresso Nacional o veredicto final sobre a demarcação, titulação e homologação de
terras indígenas. “A Confederação Nacional de Agricultura, liderada pela senadora
Kátia Abreu, do estado do Tocantins, luta para que a Funai não tenha mais a
competência técnica para fazer a demarcação das terras indígenas e propõe que a
Embrapa faça isso. A Embrapa certamente conhece muito bem a parte de agronomia
desse país, mas o que entendem e que formação tem os agrônomos para poderem
decidir se uma área é território indígena ou não?”, questiona o geógrafo e professor
livre-docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo (FFLCH/USP), Ariovaldo Umbelino. “Esse território todo era deles. A bancada
ruralista do congresso não se sacia e quer continuar tomando áreas pertencentes aos
povos indígenas”, completa. A Embrapa alega, em nota oficial divulgada em seu site no
dia 5 de junho de 2013, que “não emite laudos antropológicos e nem dispõe de
profissionais com esta formação. Essa é uma atribuição da Fundação Nacional do Índio
– Funai, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça”.
Tal disputa reflete um dos cenários mais problemáticos da Amazônia: políticas
territoriais. “A concepção de terra dos indígenas é completamente distinta da nossa
visão europeia (oriunda da cultura judaico-cristã) de propriedade privada das terras”,
afirma Umbelino. O fato de vivermos inseridos numa cultura hegemônica oposta aos
valores indígenas contribui para que eles sejam encarados sem seriedade por parcela
significativa dos governantes e também da mídia, que chega a questionar o porquê dos
índios precisarem de terra. De acordo com Umbelino, entre os indígenas há uma
estrutura de vida social comunitária. O direito a comida, por exemplo, não implica na
obrigação de trabalhar. “Herdamos da cultura judaico-cristã a idéia de que o trabalho é
a fonte de tudo e enobrece. Eu costumo sempre dizer que o trabalho escraviza”,
pondera.
Para a geógrafa da USP e especialista em políticas territoriais na Amazônia, Neli
de Melo-Thiery, de fato a Funai é uma instituição que vive sob o viés de muitos
problemas organizacionais e administrativos, mas frisou que a competência de
demarcar terras indígenas não pode assumir caráter de disputa. “Não se pode
contrapor direitos indígenas ou desenvolvimento econômico. Não pode ser uma
disputa. Precisa ser uma cooperação”, defende. “A Embrapa pode produzir muito em
diversas áreas do Brasil, então por que é tão necessário ir para cima das terras
indígenas?”, questiona. Contrapondo os argumentos de uma fatia conservadora da
mídia que usa a arcaica máxima ‘muita terra para pouco índio’, Neli afirma que o
Estado age favorecendo grandes grupos empresariais através de leis que permitem
privatizar terras públicas. “Para o governo, a terra pública é passível de ser privada”. E
completa: “Nossa sociedade é extremamente elitista. Aqui, as leis são feitas para as
elites”. Diante dos problemas que refletem a inércia de ações do governo na região
amazônica, Neli ressaltou que a sociedade deve pressionar e cobrar políticas e leis
voltadas à Amazônia que não atendam a interesses particulares de uma minoria que
age insensível a vontade da população – como exemplo, o caso do novo Código
Florestal, aprovado no ano passado.
*Sarah Mota Resende é estudante de jornalismo e participa do “7º curso
Descobrir a Amazônia – Descobrir-se Repórter”, módulo do Projeto Repórter do
Futuro, organizado pela OBORÉ Projetos Especiais em Comunicações e Artes, IEA/USP
– Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e Abraji – Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo.



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