AMAZÔNIA: EM FRONTEIRA, MACARRÃO VIRA IGUARIA, COM LARVA DE SOBREMESA
Depois de dias sobrevivendo na selva à base de farofa
com sardinha em lata, o sargento Lucas Rufino aprendeu uma receita gourmet que
nem precisa de fogueira: miojo de dois litros.
Em uma garrafa de água de
dois litros, basta por o miojo, adicionar o tempero de saquinho e sacudir
bastante. "Fica molinho, você nem percebe que está frio", ele conta,
sorrindo.
De sobremesa, outra
iguaria: o gongo, a larva branca que fica dentro do coco babaçu; "O
segredo é arrancar a cabeça com os dentes, aí a larva para de se
mexer",explica. "Tem gosto de coco, é uma delícia."
Os soldados normalmente
recebem uma ração comercial: um saco plástico com pé de moleque, bolacha água e
sal, miojo, um saco de farofa e uma lata de sardinhas. "É farofa de manhã,
à tarde e à noite", conta o soldado Elias de Sousa. "Se eu chegar em
casa e minha mulher me oferecer farofa eu digo negativo, nem pensar."Eles
se referem à comida como "bizú".
No fim do dia, os
militares abrem uma clareira para montar o acampamento. Muitos preferem não
usar as barracas, que eles chamam de iglus. "Se passa uma matilha de
queixadas à noite, não sobra nada. Fora a umidade. Faz muito frio na selva à
noite", diz o capitão Ximenes. Os militares dormem nas redes de selva, que
vêm com mosquiteiro e um telhadinho. A cada duas horas, trocam o turno na
vigilância noturna. Aprendem a "torar" (dormir, na gíria deles) a
prestações.
Tomar banho é outro
desafio. O mergulho nos igarapés soa idílico, até que se ouçam as histórias
sobre as arraias. Ficam camufladas no chão de areia e quem pisa leva uma
ferroada muito dolorida. Dois anos atrás, em uma missão na selva, um soldado
teve de ser resgatado à noite, de helicóptero, depois de pisar numa arraia.
Há outros riscos. Em
algumas regiões, os soldados contam mais de dez malárias. A dengue é cada vez
mais comum. E tem também a leishmaniose, "a ferida braba". A
leishmaniose é transmitida pela picada do mosquito flebótomo, que se transforma
em uma ferida crônica e vai crescendo. O tratamento é doloroso: os soldados
ficam afastados cerca de um mês e recebem mais de 50 injeções.
O Exército fornece um
repelente potente, mas muitos dos soldados não o usam, dizendo que "queima
na pele".
Muitos dos oficiais
ostentam orgulhosos o "distintivo" do Centro de Instrução Guerra na
Selva (Cigs), com uma onça. É muito difícil entrar no guerra na selva, o temido
curso de 9 semanas para combate em matas. Mais difícil ainda é concluir o
curso: de 100 militares, calcula-se que apenas 60 terminem. Em treinos
excruciantes, eles aprendem a manipular cobras, sobreviver na selva sem
alimentos, combater em rios cheios de piranha, andar na lama com dezenas de
quilos nas costas.
Para os soldados que
servem na Amazônia, o mais difícil é ficar dias e dias longe de casa, muitas
vezes sem acesso a celular, nem internet. "Quando meu filho nasceu,
demorei dois meses para vê-lo, estava servindo em Santa Rosa dos Purus, aonde só
se chega de barco ou aviãozinho", conta o cabo Wesley Araújo.
No índice de lonjura
"Coca-Cola dois litros", Santa Rosa dos Purus está no topo - lá, a a
garrafa sai por R$ 10. Em Plácido de Castro, um pelotão de fronteira de mais
fácil acesso, a Coca de dois litros sai por R$ 7. Em São Paulo, custa R$ 5.
Os oficiais que trabalham
nesses postos remotos da Amazônia ganham um adicional de 20% para compensar o
custo de vida. Um tenente em pelotão de fronteira na Amazônia chega a tirar R$
6 mil. Os soldados entram ganhando na faixa de R$ 800, depois de um ano podem
estar recebendo R$ 1300 a R$ 1700. O tempo de permanência máximo de um soldado
profissional 9não oficial de carreira) no Exército é 7 anos.
"Se estivesse
trabalhando em construção, ia tirar no máximo cerca de R$ 800 por mês",
conta o soldado Marcos Fernandes. Ele era jogador de futebol, entrou no
exército em 2010. Quando sair, não tem nem ideia do que vai fazer. Alguns fazem
cursos técnicos no último ano e saem para trabalhar como fixadores de piso ou
técnicos de ar condicionado.
As mulheres só servem em
funções que não são de combate. Na maioria das vezes, o "segmento
feminino", como são chamadas, são ligadas à saúde.
A aspirante Caroline Ortiz
era a única mulher entre mais de 70 homens no bloqueio da estrada BR 364 na
semana passada. Médica, ela ia ficar longe de casa 15 dias, dormindo em um
alojamento na usina de Jirau, com os outros soldados. Ela ganha R$ 5400. Está
juntando dinheiro para fazer residência em neonatologia em Curitiba ou no Hospital
Militar em Brasília.
Enquanto esperava no
bloqueio de estrada, a militar Caroline lia o best-seller erótico
"Cinquenta tons de cinza", de E L James. "A gente precisa se
distrair um pouquinho, né?"
Fonte/Fotos:
Patrícia Campos Mello – folha.uol.com.br
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