CARTA À DILMA PARA ANUNCIAR O DESCOBRIMENTO DE BRASÍLIA
(Por José Ribamar Bessa
Freire)
À Dilma Rousseff,
Presidenta da República
Senhora,
Posto que os caciques e
outros dos nossos não encontraram Vossa Excelência no Palácio do Planalto
quando ali foram pessoalmente dar-lhe notícia do achamento desta terra nova,
não deixarei eu de contar-lhe como melhor puder, ainda que para o bem contar e falar
seja eu o pior de todos indicado. Tome, porém, minha ignorância por boa vontade
e creia por certo que, para aformosear ou afear, não escreverei aqui mais do
que aquilo que me pareceu e o que vi nos telejornais, na mídia e nas redes
sociais.
Senhora, há cinco séculos,
o escrivão da frota Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei de Portugal, D.
Manuel, o Venturoso, noticiou que portugueses, navegando em caravelas,
"descobriram" o Brasil em 22 de abril de 1500. "Foram recebidos
com muito prazer e festa" pelos habitantes locais, "muitos deles
dançando e folgando, uns diante dos outros".
Cinco séculos depois,
autonomeado que fui escrivão dos povos originários, escrevo na primeira pessoal
do plural para informar-lhe que nós, 600 índios de 73 etnias, transportados por
ônibus, desembarcamos na Câmara dos Deputados, em 16 de abril de 2013 e
"descobrimos" Brasília, uma terra em que se mamando, tudo dá. Não
recebemos, porém, tratamento festivo, embora buscássemos contato pacífico com a
tribo local dos deputados, formada exclusivamente por caciques que não caçam,
não pescam, não plantam, mas comem em excesso. Glutões, seus hábitos
alimentares e sua ociosidade fazem com que acumulem gordura no abdômen. São
gordos, roliços e enxundiosos, com barriga flácida e proeminente. Apesar do
intenso calor, cobrem suas vergonhas com tecidos quase sempre escuros, usam
tira de pano apertada no pescoço e escondem o chulé dentro de mini-canoa de
couro, uma em cada pé.
Brado retumbante
Eles acham que tal
aparência lhes dá respeitabilidade. Têm a cabeça raspada até por cima das
orelhas. Quem não é careca usa nos cabelos tintura castanho-avermelhada de
acaju ou tinta preta como as penas do jacamim, o que lhes dá um brilho metálico
e, aos nossos olhos, uma aparência decrépita. Acontece que um deles, Francisco
Escórcio Lima (PMDB/MA vixe, vixe) registrou nossa chegada não como
"descobrimento", mas como "invasão". As imagens da TV
Câmara gravaram seu brado retumbante:
- Os índios estão ali
forçando para invadir o plenário. É uma situação em que todo mundo está com
medo – gritava da tribuna, ofegante, Chiquinho Escórcio, pálido, encagaçado, se
borrando todo, semeando o pânico. E olhe, Senhora, que a situação devia estar
mesmo periquitomena, pois Chiquinho Escórcio, um empresário de 65 anos, ex-PFL
e ex-PP (vixe²), é um parlamentar aguerrido que não foge do pau. Ele está
acostumado, no pequeno expediente, a fazer discursos eloquentes sobre temas de
transcendental importância para os destinos do país, conforme as atas da
Câmara, que registram tudo com palavras desenhadas no papel, já que aqueles
oradores têm o pensamento cheio de esquecimento.
Se gritar pega deputado
Quando nós, índios,
entramos no plenário, o discurso de Chiquinho provocou debandada geral,
corre-corre, fuga em massa, como quando os apaches, nos filmes americanos,
atacam a cavalaria. Bastou gritar "pega deputado", não ficou um, meu
irmão! Foi um Deus-nos-acuda, um pega-pra-capar, um barata-voa, que não foi
sequer dificultado pela pança untuosa e obscena dos fugitivos. As imagens da TV
Câmara correram mundo e nos foram enviadas por uma amiga equatoriana lá de
Quito, sugerindo que escrevêssemos esta carta.
Nós, índios, que
descobrimos Brasília, desarmados, portando apenas maracás, queríamos tão
somente solicitar ao presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB/RN, vixe vixe)
a não instalação da comissão que pretende travar, no Congresso, a demarcação
das terras indígenas através da proposta de emenda constitucional. Temos
consciência de que não podemos disputar com temas de vital importância como a
crise do Vasco da Gama.
No entanto, como não
existe nenhum índio deputado, nós fomos lá exercer democraticamente um direito
de pressão. Com um cocar azul, uma das nossas, Sônia Guajajara, exigiu a
revogação da proposta de emenda constitucional:
- Nós, povos indígenas,
não vamos permitir que uma minoria da sociedade brasileira – esses ruralistas e
grandes empresários – seja maior do que nossos territórios. Vamos lutar até o
fim" – disse Sônia.
Com o auxílio de um
tradutor, Raoni Metuktire, líder caiapó, soltou o verbo:
- Nunca vou aceitar
desmatamento nas terras indígena, nunca vou aceitar a construção de usina na
área indígena, nunca vou aceitar mineração dentro de nossas terras".
Obtivemos êxito
momentâneo: a medida foi suspensa por seis meses. Resta perguntar: de quem
fugiam os deputados?
- Na correria, alguns
parlamentares tinham mais medo de suas consciências do que dos manifestantes
"armados" com penas e maracás – escreveu a nossa ex-senadora Marina
Silva, que presenciou as "cenas cômicas e tristes" e a reação à
"invasão" indígena. Depois que os trabalhos foram suspensos, o
deputado Alberto Lupion (DEM/PR – vixe²), agropecuarista e empresário,
denunciou à TV Câmara:
- Nunca vi um desrespeito
à democracia como vi hoje.
Embora tenha 61 anos, o
deputado Lupion parece não ter visto o golpe militar de 1964, nem tomado
conhecimento das torturas e assassinatos cometidos durante vinte anos no
Brasil.
E se alonguei essa carta,
me perdoe, porque o desejo que tinha de vos dizer tudo, me fez por assim pelo
miúdo. Embora o Governo Dilma tenha sido implacável com nós, índios,
engavetando processos de demarcação para agradar a bancada ruralista, beijamos
as mãos de Vossa Excelência na esperança de que elas assinem documentos que
garantam o usufruto de nossas terras como manda a Constituição. Do contrário,
advertimos que já descobrimos Brasília e o Palácio do Planalto. O referido é
verdade e dou fé.
Assinado:
Taquiprati Vais No
Caminho, autonomeado escrivão dos índios.
Fonte/Foto: terramagazine.terra.com/educacional.com
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