A CULTURA PARAZISTA DA DESIGUALDADE
_ por Evaldo Viana
O Estado (do Pará) promoverá e garantirá o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso livre à cultura, considerada bem social e direito de todos. Também, em colaboração com os Municípios, implantará bibliotecas, arquivos, museus e espaços culturais de múltiplos usos, objetivando a difusão da cultura geral, instituindo-se sistemas próprios para cada segmento.
O parágrafo acima é excerto do artigo 285, caput, da Constituição do estado do Pará e de seu §4º, cujo texto é cristalinamente claro quando assevera que a Cultura é direito de todos os paraenses, mesmo que seja natural de Alenquer, Dom Elizeu, Jacareacanga, Ourilândia do norte, Faro, Pacajá, Prainha, Goianézia, Santarém ou Marabá.
A Constituição Estadual não diz, em nenhum artigo da seção que trata da Cultura, como muito bem se pode inferir da leitura do parágrafo acima, que esta é privilégio de Belém e que somente ou quase que total e exclusivamente a Belém os recursos da função Cultura devem ser destinados.
Mas o governo do Estado, não apenas o atual, mas todos, sem falta de nenhum, não entende dessa forma e vem ao longo do tempo, sistematicamente, destinando a quase totalidade dos recursos do tesouro estadual a investimentos, projetos, atividades e ações culturais que são concebidas em Belém, planejadas em Belém, desenvolvidas em Belém, implementadas em Belém e realizadas em Belém.
Quem é que diz isso, que a quase totalidade do que se investe e gasta na função Cultura no Estado do Pará é destinada á capital do estado? Que fonte confiável poderia nos garantir um elevado grau de certeza nessa afirmativa? Que diz o governo sobre essa criminosa violação ao princípio da isonomia e da igualdade que diferencia o povo da capital e os demais, como se o primeiro fosse de uma classe superior e os outros cidadãos de segunda classe?
Quem diz isso, senhores, é próprio governo, mas não, evidentemente, numa linguagem clara e acessível. Ele expressa a verdade, a que mostra a destinação da quase totalidade dos recursos da Função Cultura à Belém, através dos números do orçamento, da execução Orçamentária e da prestação de contas à qual uma ínfima parcela do povo tem acesso.
Vamos, pois, aos números revelados pela Secretaria de planejamento e Orçamento –SEPOF que trata das ações vinculadas à Função Cultura realizadas em 2010 e constatemos o que se afirma acima.
Inicialmente, vejamos as ações da Função Cultura realizadas em 2010 nos municípios do Tapajós e Carajás e, em seguida, as realizadas, em Belém.
Mas antes vamos ao volume de gastos do governo do estado do Pará com a Cultura.,
Em 2010 o governo realizou despesas com a Cultura no valor de R$ 78.796.650,08, dos quais R$ 5.745.350,79 foram gastos com a Fundação Curro Velho, R$ 6.669.995,36 com a Fundação Carlos Gomes, R$ 14.900.670,26 com a Fundação Cultural Tancredo Neves e R$ 50.175.371,84 dispendidos com a Secretaria de Estado de Cultura.
Considerando que a população do Pará em 2010 era de 7.588.078 então, em tese, com cada paraense, do Tapajós, Marajó, Carajás ou Belém deveria ter sido gasto R$ 10,38.
Nesse caso, aos municípios do Tapajós caberiam R$ 12,13 milhões; aos do Carajás R$ 15,80 milhões e a Belém R$ 12,46 milhões.
Como é notório que os órgãos acima têm sede em Belém e não se tem notícias de que as Fundações Curro Velho, Tancredo Neves e Carlos Gomes se dêem ao trabalho de traçar itinerário que não seja nos limites do município de Belém, deduz-se que a totalidade dos recursos destinados às fundações culturais acima beneficiaram única e exclusivamente Belém. Isso, evidentemente, é uma descomunal injustiça perpetrada contra o povo das demais regiões.
Agora vamos analisar quantitativa e qualitativamente as ações culturais que o governo do Estado desenvolveu, via Secretaria de Estado de Cultura, em Belém e nas regiões do Tapajós e Carajás.
Cumpre, de início, esclarecer que o principal, mais importante e que consumiu o maior volume de recursos destinados à Cultura em 2010 foi o Programa “Cultura para Todos”. Como foi o mais importante e o segundo, Cultura Sustentável, é quase insignificante em termos de realizações, vamos nos ater apenas ao primeiro.
As principais Ações desenvolvidas pelo Programa Cultura para Todos foram:
- Aperfeiçoamento do artista,
- Implementação de espaços Culturais,
- Produção de edições culturais,
- Qualificação de agentes multiplicadores,
- Realização de ações de difusão Cultural,
- Realização de Cursos e Oficinas de Iniciação em Arte e Ofício,
- Realização de Eventos Culturais.
Nos municípios do futuro Estado do Tapajós essas ações produziram os seguintes resultados em 2010:
1)Aperfeiçoamento do Artista:
- Santarém = 19 artistas atendidos
- Os demais 26 municípios do Tapajós não foram beneficiados por esta ação e não tiveram nenhum artista atendido.
2) Implementação de Espaços Culturais:
- Nenhum dos 27 municípios do Tapajós foi atendido por esta ação.
3)Produção de edições Culturais:
- Nenhum dos 27 municípios do Tapajós foi atendido por esta ação.
4)Qualificação de Agentes Multiplicadores:
- Nenhum dos 27 municípios do Tapajós foi atendido por esta ação.
5)Realização de ações de difusão Cultural:
- Alenquer = 1 evento realizado
- Monte Alegre = 3 eventos realizados
- Oriximiná = 1 evento realizado
- Vitória do Xingu = 3 eventos realizados
- Os demais 23 municípios do Tapajós não foram contemplados com esta Ação.
6)Realização de Cursos e Oficinas de Iniciação em Arte e Ofício:
- Santarém = 12 pessoas atendidas
- Itaituba = 60 pessoas atendidas
- Os demais 25 municípios do Tapajós não foram beneficiados por esta Ação.
7) Realização de Eventos Culturais:
- Santarém = 2 eventos realizados
- Nos demais 26 municípios não foi realizado nenhum evento pelo governo do Estado.
Vejamos agora as Ações da Função Cultura do governo do Estado nos municípios do Carajás.
1)Aperfeiçoamento do Artista:
- Marabá = 15 artistas atendidos
- Nos demais 38 municípios do Carajás não houve atendimento de nenhum artista.
2)Implementação de Espaços Culturais:
- Nenhum dos 39 municípios do Carajás foi beneficiado por esta Ação.
3)Produção de edições Culturais:
- Nenhum dos 39 municípios do Carajás foi beneficiado por esta Ação
4)Qualificação de Agentes Multiplicadores:
- Nenhum dos 39 municípios do Carajás foi beneficiado por esta Ação
5)Realização de ações de difusão Cultural:
- Marabá = 2 ações realizadas
- Parauapebas = 2 ações realizadas
- Jacundá = 2 ações realizadas
- Nos demais 36 municípios ações de Difusão Cultural.
6)Realização de Cursos e Oficinas de Iniciação em Arte e Ofício:
- Tucuruí = 81 pessoas atendidas
- Brejo Grande do Araguaia = 24 pessoas atendidas
- Eldorado do Carajás = 31 pessoas atendidas
- Marabá = 730pessoas atendidas
- Nos demais 35 municípios do Carajás não foram realizados Cursos e Oficinas de Iniciação em Arte e Ofício.
7) Realização de Eventos Culturais:
- Marabá = 1 evento realizado
- Nos demais 38 municípios do Carajás não hove realização de nenhum evento cultural.
Agora vejamos as mesmas Ações realizadas em Belém do Programa Cultura para Todos.
1)Aperfeiçoamento do Artista:
- Belém = 1.137 artistas atendidos
2)Implementação de Espaços Culturais:
- Belém = 218 espaços culturais implementados
3)Produção de edições Culturais:
- Belém = 44 edições culturais produzidas
4)Qualificação de Agentes Multiplicadores:
- Belém = 310 Agentes qualificados
5)Realização de ações de difusão Cultural:
- Belém = 253 ações realizadas
6)Realização de Cursos e Oficinas de Iniciação em Arte e Ofício:
- Belém = 9.756 pessoas atendidas
7)Realização de Eventos Culturais:
- Belém = 466 eventos culturais realizados
O que se pode concluir das informações expostas acima? É aceitável que em toda a região do Carajás o governo do Estado tenha realizado um evento cultural? Que nos 27 municípios do Tapajós tenha sido realizado apenas dois desses eventos, um a cada seis meses? Que em Belém, em prejuízo dos demais municípios do Estado, em especial do Tapajós e Carajás, a Secretaria de Cultura tenha realizado 466 eventos culturais, destinando a quase totalidade dos recursos da Cultura apenas aos paraenses de Belém? É por isso que nos querem como paraenses, para contribuirmos com o esforço e suor do nosso trabalho, transformando parte considerável deste em tributo para patrocinarmos e mantermos as fundações Curro Velho, Carlos Gomes e Tancredo Neves que em nada nos beneficia? E ainda para sustentarmos a Secretaria de Cultura cujas ações, projetos e atividades são realizados quase que exclusivamente em Belém, uma Belém que acima de tudo nos nega o direito de sermos livres e de decidirmos o nosso futuro? É essa a Cultura parazista da Igualdade, da Fraternidade e da Solidariedade?
_ Evaldo Viana é Analista Tributário da Receita Federal em Santarém e bacharel em Direito pela UFPA, e escreve regularmente para o blog amazôni@contece.

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