TERRAS INDÍGENAS FORAM INVADIDAS COM SOJA TRANSGÊNICA, CONCLUI IBAMA
Quatro associações de indígenas e quatro agropecuárias são
responsáveis pelo plantio
O
Ibama multou em R$ 2,7 milhões produtores rurais e associações indígenas após
confirmar o plantio de soja e milho transgênicos em quatro terras indígenas no
oeste de Mato Grosso, levados por produtores rurais que fecharam contratos com
os índios para exploração da área. O cultivo e a pesquisa de OGMs (Organismos
Geneticamente Modificados) em terras indígenas são proibidos pela lei 11.460,
de 2007.
Exames
laboratoriais levaram o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) a interditar cerca de 7,5 mil hectares nas terras
indígenas Paresi, Rio Formoso e Uirapuru, dos índios parecis, e Tirecatinga,
dos nambiquaras. Os responsáveis pelo plantio são quatro associações de
indígenas e quatro agropecuárias. Do total de R$ 2,7 milhões em multas, as
associações foram autuadas em R$ 240 mil.
Os
fiscais ambientais também embargaram outros 16 mil hectares que eram arrendados
pelos indígenas para exploração agrícola, o que implicou outros R$ 23,2 milhões
em multas aplicadas. O Ibama também apontou como ilegal o plantio em terras
indígenas mesmo com espécies de plantas não transgênicas.
A
ação do Ibama revolve um assunto que divide opiniões entre indígenas e
indigenistas e é considerada uma bandeira da bancada ruralista no Congresso: conseguir
alterar a lei a fim de permitir o arrendamento de terras indígenas para a
monocultura.
O
Ibama considera a atividade ilegal, com base na lei de crimes ambientais, a
9605/1998, e que ela afronta a previsão constitucional de que as terras
indígenas são aquelas “necessárias à reprodução física e cultural” dos índios,
“segundo seus usos, costumes e tradições”.
Para
o órgão, não há outra saída senão aplicar a legislação que veda a presença de
transgênicos em terras indígenas e a lei de crimes ambientais em três artigos,
entre os quais “impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e
demais formas de vegetação”.
“A
transgenia em terras indígenas é 100% ilegal e não se discute”, disse o
coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira.
“Fala-se
muito de garimpo e madeira como ameaças às terras indígenas, porém há também as
ameaças da soja e do boi. Cada vez mais as comunidades indígenas estão sendo
pressionadas a permitir isso. Até então, vinham na cultura que impede o acesso
do não indígena à terra, mas passaram a ser mais liberais. Os grandes guardiões
das terras indígenas são os próprios índios. Eles podem caçar, produzir, mas
não podem franquear acesso irrestrito aos não indígenas para plantio. A pressão
sobre os índios está crescendo.”
O
Ibama foi investigar como se dá a participação dos índios parecis e nambiquaras
na agricultura de soja e milho nas suas terras e concluiu que os índios não têm
papel direto na atividade, toda desenvolvida e realizada por não indígenas,
quase sempre produtores rurais das imediações.
Os
contratos não trazem grandes vantagens para os índios. Os percentuais variam,
mas a maioria registra o pagamento, para as associações indígenas, de apenas
seis sacas de soja para cada 60 produzidas, ou seja, apenas 10% de toda a
produção. Nas safrinhas, o percentual é ainda menor, de uma saca e meia para
cada 60 sacas.
Parte
dos índios parecis, porém, quer ter autorização legal para arrendar a terra,
sob o argumento da melhoria das condições de vida nas aldeias a partir do
dinheiro proporcionado pela exploração da monocultura. A atividade agrícola é
desenvolvida nas terras dos parecis desde, pelo menos, 2004, segundo registros
da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Em
setembro de 2015, o coordenador de atividade produtiva de uma das associações
agora autuadas pelo Ibama, a Waymarê, Arnaldo Zunizakae, esteve em audiência
com o então presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa. Segundo a
Funai, na ocasião Zunizakae afirmou que as associações indígenas já têm
recursos financeiros para pagar o licenciamento ambiental e que estava sendo
“adquirido maquinário e realizada qualificação da mão de obra indígena”.
Funcionários
da Funai manifestaram, na reunião, apoio à soja nas terras parecis. O então
coordenador regional da Funai em Cuiabá, Benedito Garcia, disse que “nós
estamos tratando de uma forma de sobrevivência, de se trabalhar dentro da
legalidade”. Outro funcionário da mesma unidade, Carlos Barros, disse que já havia
um parecer técnico da Funai favorável à atividade.
A
bancada ruralista no Congresso Nacional também faz carga pela liberação do
arrendamento. O líder da frente parlamentar do agronegócio, Nilson Leitão
(PSDB-MT), promoveu uma audiência na Câmara em outubro passado. O mesmo líder
pareci, Arnaldo Zunizakae, disse que “o modelo de parceria” com os produtores
rurais foi adotado porque os índios não conseguiam crédito para o plantio. “O
índio entra com a terra e a mão de obra, e todo o custeio é feito por
fazendeiros. Neste ano tivemos projeto que investiu R$ 800 mil em máquinas.
Projetos indígenas, com dinheiro do índio”, argumentou Zunizakae.
Procurada,
a Funai não havia se manifestado até o fechamento deste texto. A Folha não
conseguiu localizar as associações indígenas e produtores rurais autuados pelo
Ibama.
Fonte/Foto: Rubens Valente, Folha de São
Paulo/Divulgação
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