ARTIGO: OS TUCANOS COMO KANDIR



- por Lúcio Flávio Pinto (*)

Estados e municípios deixaram de arrecadar 550 bilhões de reais desde que a lei Kandir entrou em vigor, 20 anos atrás. Só no Pará a perda por não poder cobrar ICMS sobre produtos primários e semielaborados destinados à exportação foi de R$ 35 bilhões nesse período. A desoneração no ano passado foi R$ 3,1 bilhões, o equivalente à receita do Estado. Ela dobraria se não existisse a lei complementar.
Esses dados, de um estudo feito pela Fapespa (a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas, do governo estadual), juntamente com o Tribunal de Contas do Estado, foram citados mais uma vez ontem, na Assembleia Legislativa.
Foi durante a apresentação da minuta do relatório final da Comissão Mista Especial da Lei Kandir da Câmara dos Deputados, que propõe mudanças na lei complementar e compensações aos Estados que perdem arrecadação com essa desoneração.
A apreciação da matéria pelo Congresso Nacional foi motivada por ação ajuizada no ano passado por 16 Estados, incluído o Pará, um dos mais prejudicados. A ação foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal, que definiu o prazo de um ano para que o parlamento federal defina valores a serem repassados aos Estados. Se não o fizer, a competência passará para o Tribunal de Contas da União. O problema é que a União, não reconhece essas perdas.
Até 2003, a lei garantiu aos Estados o repasse de valores a título de compensação, que nunca equivaleu à perda de arrecadação, mas pelo menos reduzia o prejuízo. A partir de 2004, outra lei complementar, mesmo mantendo o repasse, deixou de fixar o valor.
Os Estados passaram então a depender da definição feita anualmente pelo governo federal do valor ser repassado, fixado no Orçamento Geral da União. O déficit se tornou ainda maior.
A mudança das atuais regras ou a imposição de uma compensação plena exigirão uma dura batalha no Congresso, onde o governo ainda tem maioria e Estados poderosos, como São Paulo, se colocam contra a alteração.
Talvez um caminho mais radical, porém politicamente mais viável, seria deixar de lado o imposto e passar a exigir participação estatal nos lucros das exportações de commodities e semielaborados, a partir de certa margem (20%, por exemplo).
É bom não esquecer que a lei Kandir foi proposta por um tucano de São Paulo, o então deputado federal Antonio Kandir (ex-ministro do planejamento no governo Collor), quando o presidente era outro tucano, Fernando Henrique Cardoso.
No Pará, o governador era Almir Gabriel, correligionário de FHC, e seu principal secretário (espécie de primeiro ministro) era o atual governador Simão Jatene, com três mandatos.
Para legitimar o comportamento de paladino do Pará nessa guerra ainda está faltando o mea culpa.


(*) Lúcio Flávio Pinto é jornalista profissional desde 1966. Percorreu as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Durante 18 anos foi repórter em O Estado de S. Paulo. Em 1988 deixou a grande imprensa. Dedicou-se ao Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que escreve sozinho desde 1987, baseada em Belém.
No jornalismo, recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace e, em 2005, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection), de Nova York.


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