EMPATE NO JARI


Projeto de extração de madeira de lei da Jari na área de coleta de castanha da comunidade

Na espera eterna pela regularização das terras comunitárias, extrativistas do Pará reeditam prática de resistência de Chico Mendes para impedir o avanço do Grupo Jari na floresta que habitam há mais de cem anos
Amazônia brasileira, parte oriental, divisa entre Pará e Amapá. É tempo de chuva. Enquanto a maioria das famílias organizava suas ceias e confraternizações de Natal, extrativistas de Repartimento dos Pilões – comunidade do distrito de Monte Dourado, no município de Almeirim – juntaram-se para impedir que cerca de 200 trabalhadores de uma empresa contratada pelo Grupo Jari continuassem a extrair madeira de lei de seu território secular.
A comunidade de Repartimento de Pilões no Extremo Norte do Pará
Em manifesto assinado pela Associação dos Micros e Mini Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Repartimento dos Pilões e Vila Nova (Asmipps) e pela Rede Intercomunitária Almeirim em Ação (RICA), os extrativistas argumentam que a área de floresta primária em que coletam a castanha do Pará – e onde moram há cerca de cem anos – tem 61 mil hectares. O que significa que a extração de madeira de lei estaria dentro do território da comunidade, que reivindica do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) a concessão do título coletivo sobre a área.
Mas a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Sema) autorizou as atividades da Jari ao expedir o Plano Operacional Anual (POA) apesar de ter se comprometido em acordo firmado em maio de 2013 – e lavrado em ata – a não liberar a área até a resolução sobre a questão fundiária. Outro ponto destacado pelos extrativistas é que a castanheira, proeminente no local, é protegida por lei, e não pode ser explorada economicamente.
Ainda assim, a pedido da empresa, a Sema aprovou a Unidade de Produção Anual (UPA) de nº 09 nas proximidades do território requerido pela comunidade. O manifesto dos extrativistas denuncia indícios de erros técnicos sobre a delimitação da área, ou sobreposição, que teriam que ser investigados antes de qualquer decisão. Mas o secretário adjunto de Gestão e Regularidade Ambiental da Sema, Hildemberg Cruz, nega irregularidades. Segundo ele, o pedido da empresa era de 15 mil hectares e a secretaria autorizou uma área de 9 mil hectares, justamente para excluir áreas sobrepostas com Áreas de Manejo Florestal (AMF), áreas de comunidades ou fazendas com decisão judicial favorável ao Estado.
No final de 2014, quando já tramitava na Justiça um pedido de interdito proibitório movido pela associação dos extrativistas – com parecer favorável na Vara Agrária de Santarém – a Sema liberou novas licenças de exploração para a Jari, que os associados acusam de avançar sobre os castanhais e outras espécies da área de Repartimento. Segundo eles, a empresa se recusou a conversar com os moradores, alegando que a madeira seria retirada de qualquer maneira. “Temos tudo gravado”, conta um deles. “Desde a criação da associação a empresa se afastou. Conversam apenas com uns dois moradores que apoiam o projeto”, diz outro (os nomes foram preservados para evitar represálias)
Sem diálogo com a empresa, os extrativistas decidiram partir para o “empate”, uma estratégia de resistência pacífica em que famílias inteira formam um cordão humano, com o objetivo de convencer os peões a desligar as motosserras e manter a floresta em pé. O empate nasceu no fim dos anos de 1970, no estado do Acre, entre os extrativistas então liderados pelo seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988, às vésperas de outro Natal.
O restabelecimento da democracia não interrompeu o ciclo de morte e violência do Estado contra as comunidades amazônicas, inaugurado com a política de integração econômica imposta pelo regime militar, que concentrou terras nas mãos de empresas nacionais e multinacionais. Foi na ditadura, em 1967, que o multimilionário estadunidense Daniel Ludwig chegou à região para instalar o Projeto Jari, um complexo agroindustrial que desmatou mais de 200 mil hectares de floresta densa. A Gmelina e o Pinus, árvores destinadas à produção de celulose, passaram a ocupar o lugar de castanheiras e maçarandubas; 20 mil hectares de arroz e 80 mil hectares de banana e dendê foram plantados, além de pastos para criar 100 mil cabeças de gado e 40 mil de búfalos, como conta o jornalista Lúcio Flavio Pinto no livro Jari: Toda a Verdade Sobre o Projeto de Ludwig (Clique para ler a história completa da disputa pela terra na região do Projeto Jari). Desde 1999, o Grupo Orsa controla o Grupo Jari – composto pela Jari Celulose, Jari Florestal, Jari Minerais, Ouro Verde da Amazônia, Fundação Jari e Marquesa.
O papel da Fundação Jari seria fazer a mediação com a população impactada pelo empreendimento, sob o guarda-chuva da estratégia de responsabilidade social. Como se vê no caso dos Pilões, isso está bem longe de se realizar na prática. O Estado também não cumpre sua função de regularizar as terras públicas conforme a determinação constitucional. Aos extrativistas, sobrou a coragem para resistir.

Fonte/Fotos: Rogério Almeida – apublica.org/Rogério Almeida

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